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Artigo de Opinião

2/01/2024 08:00

Já diz o ditado popular: “Melhor ter amigo na praça do que dinheiro no bolso”. Realmente uma amizade verdadeira vale mais do que qualquer fortuna, até porque há coisas que o dinheiro não compra e só um bom amigo o pode conseguir. Que o digam António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa que fecharam o ano com chaves de ouro na matéria. Prova disso, é termos o Presidente da República a demitir o Governo por tentar favorecer os amigos no negócio do lítio, para logo a seguir ele mesmo ser acusado de favorecer duas crianças luso-brasileiras na administração de um medicamento milionário. Vingança ou não, do Partido Socialista contra Marcelo, o facto é que em matéria das cunhas, dificilmente algum político no poder, tem água com que se lave. Aliás, qualquer político que não sirva a sua nomenclatura, não consegue reunir apoios à sua volta. O sistema está montando de forma oportunista, e quem não tiver disposto a alinhar, dificilmente se mantém no poder.

Além da herança dos “três efes” - Fátima, Fado e Futebol - Salazar deixou-nos a cultura das cunhas que até hoje perdura. Foram muitos anos de favorecimentos a amigos e figuras ilustres do Estado Novo. Até a famosa governanta de Salazar, Maria de Jesus, não tinha mãos a medir com os inúmeros pedidos que lhe eram feitos devido à proximidade com o ditador. A governanta do Salazar era o equivalente, nos dias de hoje, ao amigo de António Costa, Lacerda Machado: um intermediário para as cunhas.

Desde o Estado Novo, que a cunha institucionalizou-se e tornou-se transversal para o quotidiano dos portugueses. É por isso que os episódios se sucedem uns atrás dos outros. O efeito é bola de neve e vai das mais altas instâncias do país às coisas mais corriqueiras do dia-a-dia. Desde resolver uma simples questão burocrática, a arranjar um emprego, ao acesso a determinados cuidados de saúde, até chegarmos aos grandes negócios. Normalizou-se o factor cunha em Portugal e isso está a colocar em causa as instituições democráticas e os serviços públicos. No entanto, ninguém parece querer mudar nada.

Salazar durante as quatro décadas em que governou, tornou-se o patrono de uma rede de banqueiros, grandes industriais e milionários que construíam o seu império na sombra do Estado Novo. Em contrapartida, estes apoiavam o ditador e o regime. Criou-se o culto de recorrer ao presidente do Conselho para pedir os mais variados favores, em casos de crime ou de adultério, até mesmo em escândalos sexuais, como é o caso do “Ballet Rose”, desde que envolvessem figuras de destaque da sociedade. E, se repararem, os partidos, atualmente, não são diferentes, funcionam com base na troca de influências.

Nos meios pequenos e pouco desenvolvidos economicamente, como é o caso da Madeira, os comportamentos ainda são piores, dignos do continente africano. O fator cunha é considerado normal e imprescindível. Há sectores como é o caso da administração pública onde praticamente ninguém é admitido por mérito. O mesmo na prestação de serviços ao sector público. Os grandes negócios são para os amigos, que comem à descarada do orçamento regional com a complacência dos eleitores que a cada eleição validam estas práticas. Quem aparece a defender o contrário acaba isolado e perseguido.

Assim, graças à cunha, formou-se, em torno do partido do poder, uma nomenclatura interminável de fiéis seguidores numa complexa e intricada teia de dependências e interesses que explicam o porquê da Região Autónoma da Madeira ser governada pelo mesmo partido há 47 anos.

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