Há um provérbio que diz: “se quiseres saber como uma pessoa é, coloca-a numa posição de poder”, mesmo que seja um pequeno poder. Na verdade, os pequenos poderes podem fazer despontar “pequenos ditadores”, levando a que a psicologia tenha designado este fenómeno como Síndrome do pequeno poder. Acontece em vários circuitos sociais, a esta síndrome são imputados o próprio patriarcalismo, a subordinação de género ou outra, em relações conjugais, por exemplo; mas sobretudo em pessoas que tiveram uma pequena ascensão social ou profissional, por ínfima que seja. Normalmente, diz a bibliografia, são pessoas que têm uma necessidade de se afirmar como “poderosas” fazendo do autoritarismo a sua postura primordial, o que se reflete num problema social, sim, mas também de natureza individual: o problema é certamente do indivíduo que se deslumbra com o seu pequeno poder. Temos diversos exemplos entre nós, só para mencionar alguns: alguns porteiros à entrada de bares/discotecas ou outros lugares de atendimento; e por atendimento, temos o corporativismo de alguns serviços públicos e até o excesso de burocracia administrativa (tipo aquele burocrata que se leva tão a sério ao ponto de pressionar pela não conformidade do preenchimento do papel ou do email como se a sobrevivência do mundo dependesse disso...); o abuso e autoridade de alguns professores sobre alunos (sobretudo em meios universitários); e, claro, figuras como chefes, gerentes, coordenadores, supervisores, etc. – todos em exercício de funções em modo imperativo, tantas vezes raiando a falta de educação e sempre a falta de “chá” e bom senso (os brasileiros têm uma expressão para estas posturas: “cafona”; eu prefiro qualificá-la como uma herdeira do Estado Novo, nociva para o bem-comum).
E esta síndrome, que transgride, inclusive, com muita da legislação atual, nomeadamente a que criminaliza o assédio moral, traz sérios problemas periféricos à nossa sociedade: o desrespeito pelo outro; a agressividade sobre o outro, perturbando a própria saúde social e de cada um nós. Em suma, uma colisão inadmissível com os direitos humanos, na medida em que o pequeno ditador se assume como superior e acha que pode interferir na liberdade de outrem.
Não sabem estes agentes de pequenos poderes que o seu reconhecimento (e até autoridade) não se faz pela fome dos seus egos, mas sim pelo seu mérito pessoal e profissional. Não sabem, eles (e elas) que os cargos são passageiros, mas que as relações pessoais e até profissionais podem permanecer e o mais certo, é que os pequenos ditadores no futuro passem por constrangimentos pessoais e profissionais decorrentes do ridículo que é a sua postura ultrapassada. Sim, é ridículo, de facto, porque na verdade estas pessoas imaginam que detêm um poder maior do que as demais e que este é vitalício, legitimando-os na sua provinciana imaginação a coagirem e a abusarem, psicológica e emocionalmente, de outras pessoas, sobretudo se mais vulneráveis, sobretudo se não forem confrontados por quem intentam abusar. Se calhar são, na verdade, pessoas com pouca segurança em si mesmas e nas suas capacidades, porventura até com uma baixa autoestima, e que têm medo que o seu pequeno poder acabe, porque pode ser sinónimo do fim do seu igualmente pequeno mundo, dada a sua atitude territorial numa parcela social tão pequena, que pode ser uma casa, uma freguesia, uma repartição pública, um serviço privado ou mesmo uma ilha.