Cresci com um nível confortável de resguardo em relação às contrariedades da vida. Vivi a infância com mãe, três tias e uma avó na mesma casa. As minhas maiores fontes de ansiedade eram ser forçado a comer o segundo prato e esconder a falta de vontade de fazer os trabalhos de casa.
A partir da adolescência tudo mudou. Fui gozado por muitas razões, nenhuma delas graves, e passei por momentos de grande ansiedade introspectiva, mas a minha falta de exposição à adversidade levou-me, muitas vezes, a reacções tão exageradas como infantis. Que remédio tive, até e ainda hoje, senão adaptar-me e criar mecanismos para lidar com os outros; e comigo.
Hoje, numa era em que a exposição de tudo é maior, muito por culpa nossa — por uma necessidade irracional de querer estar ligado a tudo e todos —, observo que não estou sozinho no universo dos protegidos das adversidades. No meu caso, a inadvertida sobreposição de protectores não criou uma redoma opaca; apenas uma pequena distância. No caso da generalidade dos indivíduos que hoje observo, por se exporem propositadamente à observação, por vezes suspeito que gostam de viver em estado de ansiedade permanente.
Um vulcão explode, explodem ânsias de que "ninguém faz nada!". O ser humano tem um impacto maior nos equilíbrios do ecossistema terrestre, chovem acusações e culpas colectivas. Estala uma guerra num país próximo, estalam lembranças de outras guerras com as quais todos temos que nos preocupar, sem excepção. Volto a lembrar o leitor de que não sou especialista, mas suspeito que isto cause ansiedades de vários feitios e níveis de gravidade. Se não, vejamos:
Quando um vulcão entra em erupção no ecrã da televisão, pouco ou nada se pode fazer do sofá, além de esperar que as pessoas fujam. Se não se pode fazer nada, não há razão para ansiedade. É ter esperança; mais nada.
Se alguém acha que está a prejudicar o ecossistema por tomar um duche, não tome um duche; não há necessidade de se declarar eco-ansioso. Se ficar ansioso também por não se lavar, lave-se menos vezes, ou de forma mais eficaz. Se tudo isto deixa essa pessoa ansiosa, dê por onde der, consulte um especialista (que eu não sou, recordo).
Se um indivíduo fica zangado por o seu vizinho se preocupar com os ucranianos invadidos, mas não fizer nenhuma publicação nas redes sociais a chorar pelos iemenitas que sofrem com a guerra civil, olhe para si. Se vê duas pessoas em vias de se afogarem, uma das suas relações, a outra um total desconhecido, mesmo que até possa salvar as duas (assim esperamos), não os pode salvar ao mesmo tempo. Aposto que estende primeiro a mão àquele que conhece, que lhe é familiar.
Nada tenho contra a manifestação de solidariedade para com aqueles menos sortudos, mas há que ter noção de que não é possível acudir a todos ao mesmo tempo. Há que ter noção de que há coisas que, apesar de desejáveis, simplesmente não são possíveis. Há que ter noção de que há uma miríade de pontos de vista, de sensibilidades e até mesmo de capacidades. Cada indivíduo é como é e tem as simpatias que tem. Deixar-se enterrar em ansiedades escusadas não deve fazer nada bem à saúde e, socialmente, só contribui para a ostracização que, deduzo, se pretende combater.
Comece-se por arrumar a cabeça; só depois se arruma o resto.