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Artigo de Opinião

26/02/2022 08:00

Num programa televisivo de debate entre conhecidos adeptos, aquele feito foi louvado — por todos — como acto de sacrifício em prol da equipa, que, não fosse a elogiada batota, teria ficado em desvantagem numérica. Repito: a batota foi elogiada, por todos.

Esta apologia, até mesmo elogio, da batota não é exclusiva do futebol, ou sequer do desporto. Hoje, mais avisado (mais velho, vá), recordo várias batotas políticas elogiadas à saciedade, quer na política nacional, quer na regional.

Recentemente, por exemplo e para não voltar a rebuscar o poeirento baú da memória, o Dr António Costa, excelso Primeiro-Ministro da nação, foi elogiado pela intelectualidade nacional, tanto publicada como televisionada, por ter feito uso de afirmações pouco — ou nada — fiéis à realidade. Na fase final da sua campanha para reeleição, encorajado pela benevolente falta de vontade do seu maior opositor em entrar em campanha depois da sopa vespertina, António Costa, o bonacheirão, discorria insinuações acerca de intenções nunca declaradas por ninguém, muito menos os alvos dos seus muito elogiados ataques. O facto de esses ataques, finamente orquestrados e imaginativos, apesar dos inúmeros pontapés na pobre gramática, mal disfarçados na sua característica dicção pouco disciplinada, serem, de facto, batota intelectual, em nada deteve os fazedores de opinião. Atropelaram-se em elogiosos solilóquios à desonesta táctica, sem timidez nem sugestão de que ali houvesse algo de reprovável.

Estou longe de ser perfeito; já fiz batota mais vezes do que gosto de admitir. Arrisco a dizer que poucos de nós estaremos em posição de afirmar que nunca fez algo que o próprio achará reprovável. Ao lembrar essas falhas, podemos-nos arrepender e tornar-nos mais vigilantes para não o repetir, podemos tentar esconder, bem lá nos fundos da memória, a vergonha, ou podemos racionalizar. É na racionalização que está a possibilidade de resvalar para o orgulho na batota.

Quando se racionaliza a batota, tornando-a um meio para chegar a um fim desejável, tudo passa a ser moralmente aceitável. Para aumentar as hipóteses de ganhar um jogo, torna-se aceitável actuar fora das regras do jogo (por isso é que é falta) e até mentir sobre isso ("Eu?! Nem lhe toquei!"). Para aumentar as hipóteses de prevenir o erro dos eleitores, elegendo outro que não eu para os conduzir aos melhores dos dias, posso espalhar boatos, insinuar sem fundamento, ou até mesmo mentir. No limite, por exemplo, justifica-se prender pessoas que não cometeram crime nenhum, para o seu próprio bem. Podemos justificar as maiores atrocidades em nome de um bem maior, talvez até fantástico, mas estas não deixam de ser atrocidades.

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