A coragem é algo que está intimamente ligado ao sofrimento mental, que umas vezes tira-nos e outras dá-nos a coragem. A coragem, mais do que uma decisão de bom discernimento, é a força motriz que nos faz avançar.
Na depressão profunda, a coragem pode ser o elemento que determina o pior caminho. Quando a depressão começa, para além dos sintomas mais conhecidos, começa a retirar a coragem. A força para lutarmos pela nossa vida. Quanto mais o sofrimento se instala, cada vez é menor a coragem para lutar, para reerguer. A coragem começa a regressar em duas situações, no pior dos momentos e no início da recuperação. Esta é uma das razões que mais confunde os familiares e amigos. Dificulta muito o luto. Nos dias / momentos antes de se consumar a terrível decisão, pode existir um alívio enorme e as pessoas pensam que o familiar, amigo, doente está a melhorar. Infelizmente, não é o caso. A pessoa pode conseguir esconder e enganar todos. A decisão da pessoa é enganar-nos e o sofrimento fica connosco por não termos conseguido “adivinhar”. Lembro sempre que o nosso papel não é adivinhar, mas permitir que o outro seja honesto e exerça a sua liberdade. Quando o outro oculta a sua intenção, o ónus não é nosso. Dois alertas são “despedidas” e testamentos. Agradecer e despedir-se de pessoas e determinar para quem ficam bens e custódias.
A única forma de ultrapassarmos estas mentiras e consequências devastadoras é cultivarmos um ambiente de confiança, sem medo de falar do que sentimos e falarmos regularmente de tudo. Só um ambiente de comunicação sincera pode salvar-nos. E aqui é que a coragem também entra. É necessário ultrapassarmos todos os tabus com as pessoas da nossa intimidade, sejam parceiros, familiares, amigos ou terapeutas. Quando o conseguimos fazer, estabelecemos o tipo mais profundo de relação, a Amizade das Almas. Podemos comparar a honestidade e a coragem que as pessoas com adição ao álcool precisam para participar nos grupos de alcoólicos anónimos “AA”s. Só com esse tipo de coragem conseguimos estabelecer as relações mais sólidas da nossa vida. Aquelas que duram a vida toda e que ultrapassam os mal-entendidos da vida.
Também é preciso coragem para recuperar. Coragem para confiar na esperança que os outros colocam em nós. Coragem para caminhar na direção da recuperação, mesmo quando não acreditamos. Esta é a coragem e a confiança que todos os profissionais de saúde pedem das pessoas que recorrem a si. Não é um pedido de confiança cego, mas pelo contrário, de olhos bem abertos. De forma consciente, ter a coragem para começar a recuperação, umas vezes com terapias, outras com medicação e muitas com as duas estratégias. Pedimos a coragem para confiarem que a medicação que lhes pode causar efeitos secundários é para o seu bem, que o sofrimento adicional que estão a passar, vai compensar. A confiança e a coragem que todos os que procuram ajuda possuem, é uma inspiração. Ultrapassam o estigma de ir a uma consulta de saúde mental. O estigma da medicação, psicoterapia, internamentos, ... E ultrapassam o que muitos acham que nunca vão ultrapassar, a sua doença. É uma alegria ver tantas pessoas a ultrapassar a sua doença. A trabalharem e a avançarem na sua vida, “sem que ninguém perceba” que um dia precisaram de ajuda. Claro que nem sempre se consegue esse resultado, mas maior ou menor a recuperação, é sempre um grande orgulho conhecer as pessoas que mantém a coragem e confiança para pedirem ajuda e lutarem por um amanhã melhor.