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Artigo de Opinião

20/06/2023 08:00

Se fizermos o exercício de nos imaginarmos, com o nosso potente cérebro, na pele de um habilidoso chimpanzé, como é que surgiria a linguagem se o chimpanzé não sofreu a evolução do osso hióide que nos permite a articulação das palavras? E se nos imaginarmos na pele de um golfinho, como é que surgiriam todos os avanços tecnológicos, desde o pauzinho com que se apanham formigas até ao computador com que escrevo este texto, sem a destreza manual? Destreza manual, já agora, tem por evolução apenas a musculatura do antebraço — afinações —, já que a conformação da mão é um atavismo, ou seja, a forma original e basilar de todos os animais de quatro patas (o casco do cavalo é uma evolução da mão de cinco dedos).

Resumindo, a evolução não tem um auge, nem existe uma via evolutiva para lá chegar. A selecção natural não tem um propósito; é apenas o que acontece quando as circunstâncias mudam e características diferentes passam a ser mais vantajosas. Até é, na esmagadora maioria das vezes, mais vantajoso ter um grau de especificidade menor em alturas de grandes mudanças externas, ou seja, estar mais longe de um cúmulo evolutivo. Este cúmulo corresponde a uma alta especialização às características ambientais específicas do momento em que evoluíram, não às que entretanto surgem. A espécie humana é um bom exemplo de um animal sem adaptação demasiado específica a qualquer condição ambiental. Ainda por cima, graças às capacidades de passar facilmente conhecimento às gerações seguintes (linguagem — osso hióide) e de transpor para a realidade aquilo que imagina (destreza manual), adapta-se a mudanças rápidas dentro da própria geração (agasalha-se, constrói abrigo, etc.).

Da mesma forma, é comum ter-se fé num auge da civilização, em paraísos terrenos e num Fim da História que há-de trazer um Homem-Novo. Mesmo quem nunca leu ou siga cegamente os autores recomendados pela fé supra-citada, vai dizendo que a sociedade tem de ser melhorada por portentosos feitos de engenharia social, nem que para isso seja preciso dobrar, acorrentar ou extinguir o indivíduo por completo. O que é preciso é atingir a civilização perfeita, seja lá o que isso for.

Cada cabeça sua sentença, já diziam os antigos. O acordo total em volta do que é a perfeição social é impossível. A musculada correcção idealizada e sugerida para moldar o próximo é, aliás, raramente assumida pelo proponente da dita, uma vez que é ele o modelo ideal (óbvio!).

Tal como com o processo evolutivo, não há um ideal civilizacional pré-definido, um modelo de sociedade perfeito pronto a existir se apenas sacrificarmos coisas comezinhas como a individualidade, a livre escolha e esse pernicioso capricho que é a liberdade. Há, em vez do ideal pré-definido, apenas e só o árduo e penoso processo de interacção de vontades, cedências e tolerâncias voluntárias.

Tal como a evolução se processa no conflito entre acasos e coincidências, também uma sociedade evolui no conflito entre decisões individuais e voluntárias, algumas vezes certas, quase sempre erradas. O apregoado caminho para a perfeição colectiva nunca foi mais que um atalho para a ruína.

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