Todos os dias vou fazer festinhas ao Matateu e ele derrete-se todo. É manso e baboso e ninguém resiste ao jerico. Por falar em coisas que amansam o coração, há dias, num convívio entre novos e mais velhos, uma senhora, do alto dos seus oitenta anos, perplexa por ver tanta moça sem marido, dizia:
- Olha lá, fulano tal é muito bom partido. Tem uma casa de alto e baixo!
Evitando a gargalhada para não ofender a matriarca, pensei cá com os meus botões que me bastaria uma casa da lancha, pequenina e bem em cima da praia. Obviamente sem dono e muito menos com pretensões a marido. É que, como diz o meu afilhado Estevão: Ooooh madrinha, não vai haver marido para ti!!! Vergo-me por tanta sabedoria, aos cinco anos de idade.
E por falar em amansar o coração, ando com o meu bambo, bambo por causa do novo livro do Valter Hugo Mãe, uma verdadeira elegia à Madeira e aos ilhéus, esses seres com pés de cabra e asas: “a rocha é bastante mais alta e não há vereda. Já só é lugar de pássaro. (...) Até para ser quem éramos, já nos conferiam uma metade de asa”. Leio, volto atrás, sublinho, fico com o livro no colo, absorvendo cada palavra, pasmo para o horizonte ou para as estrelas, acabando por abraçar o livro junto ao peito. Que coice!!! És grande, Valter e só podemos estar gratos. Esta narrativa torna-nos heróis e faz-nos acreditar que até somos um cantinho escolhido por Deus, nem que seja na escuridão. Vieira Natividade, em 1947 e Eduardo Nunes, em 1951, também se haviam dado conta da epopeia deste vilão que atacou a rocha e lapidou a montanha, fazendo deste chão de abismos um canteiro suave e primoroso.
Março entrou molhado e fresquinho. Diz quem sabe que o inverno vem agora e que irá estragar a Páscoa, que este ano vem mais cedo. No entanto, a chuva que caiu nem deu para regar a vinha, mas sei que o caracol que o Roberto plantou na Camacha está viçoso. Há quem tire selfies ou fotografias da areia caseada de mar. Este meu amigo, ao invés, exibe o olho da vinha no telemóvel. Antevejo já a cantilena que vou ter de fazer para que me ofereça um cacho. Mas vai valer a pena, oooh se vai!!!
Tenho seguido as acrobacias do Adriano Andrade com a sua vara (ou garrote) que os nossos hermanos de Canárias chamam de Regatón e que era usada pelos Guanches e com a qual subiam e desciam pelas encostas e abismos, procurando meios de subsistência. Mete-se rocha adentro por lugares que nem os porto-santenses conhecem, sobe e desce, desce e sobe, fica pendurado e meio suspenso. Por vezes, até parece um desenho animado. É cada proeza que nem dá para acreditar. Obviamente que não é de todo aconselhável aos demais humanos. Posso estar enganada, mas até parece que o Adriano pertence a essa espécie especial, descrita pelo Valter Hugo Mãe, que possui pés de cabra e asas. Se pensarmos bem, o madeirense é feito de combustão e de comunhão com o cume, esse lugar mágico onde o céu beija a terra.