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Artigo de Opinião

23/04/2022 08:01

Senti-me livre e culpado. Senti-me livre por razões óbvias e culpado por me sentir livre. Porquê? De cada vez que entrava num local fechado lembrava-me de que estava livre da máscara. Preferia não me lembrar; preferia ser livre e pronto — e aí reside o meu sentimento de culpa. Esta minha conversa interior evoluiu e foi parar à data que nos espreita ao virar da semana.

Tendo nascido depois do 25 de Abril (mesmo que por pouco) não posso senão imaginar, com todas as insuficiências que isso implica, o que sentiram aqueles que antes sofreram a ditadura e passaram a sentir a liberdade. Segundo quem viveu à época, o sentimento durou pouco. A turbulenta e longa espera pelas primeiras eleições livres, com a sensação (exagerada ou não — decida o leitor conforme as suas preferências) de nova opressão, deve ter sido tão frustrante como assustadora. Passada a tormenta, asserida a maior liberdade (insuficiente, sempre insuficiente), imagino que a maioria das pessoas, ao fazer algo que lhes teria sido barrado no regime anterior, sentisse algum prazer — no mínimo alívio. O problema é que, suspeito, muitas dessas pessoas sentiram e, infelizmente, cederam à culpa que identifiquei em mim durante a minha curta aventura na desmascarada Bélgica. Que quero eu dizer com isto? Vejamos:

A quantidade de pessoas que hoje, em Portugal, quer menos liberdade é imensa. Infelizmente, a necessidade de ter quem lhes diga o que fazer e como gerir as suas vidas é mais forte que a fome de liberdade, assustadoramente responsabilizadora das acções individuais. Basta ver, nos últimos dois anos, quantas pessoas nem questionaram a bondade, ou mesmo a eficácia, das medidas que o governo lhes impôs, nem sempre escoradas em raciocínios lógicos. Mesmo as medidas providas de razoabilidade lógica, e que por essa razão podiam ser ensinadas e propostas aos cidadãos em vez de impostas porque sim, foram acriticamente abraçadas. Se eu não fosse ingénuo, diria mesmo que houve quem gostasse da oportunidade para apontar o dedo ao vizinho, subir ao púlpito da auto-proclamada moralidade e prometer o inferno a quem se atrevesse a meter o nariz fora das medidas.

Também vou vendo, daqui de fora, como o português em geral se tornou conivente (no mínimo, tristemente tolerante) com o poder político sem restrição. Nepotismo descarado, convenientes coincidências e promiscuidades institucionais, tudo passa pelo crivo popular desde que haja pão na mesa —mesmo que rançoso —, um emprego ou subsídio — pago pelo vizinho, claro — e circo na televisão e redes sociais. O embalo da confortável segurança, mesmo que sem qualquer aderência à realidade, no consolo de que o que de mal nos é imposto também cai na cabeça do vizinho, fala mais alto que o risco da liberdade: de arcar com a responsabilidade pelas suas próprias acções; de ser mais do que, parafraseando a canção, "um tijolo na parede".

Voltei da Bélgica para uma semana também já livre (finalmente!) da obrigatoriedade da máscara. Só a coloco para entrar no infantário do meu filho, onde ainda no-la pedem. Saio e retiro-a de imediato, cada dia menos culpado.

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