Estamos como estávamos há um mês atrás, quando escrevi na segunda-feira do pós-eleições: em compasso de espera, presos a uma serialidade infinita feita de histórias sem nenhuma conclusão. O governo regional retirou o programa de governo e o orçamento, que poderia ter sido votado, já que havia maioria no Parlamento para o fazer passar, continua desde outubro de 2023 (data em que devia ter sido apresentado) na gaveta.
Nos episódios de um mês, tivemos amantes reconciliados, juras e seguranças, mentiras, traições, drama, e agora-é-que-vai, e agora-já-não-é. O quadro regional desafia ultrapassar nas televisões o share da Assembleia da República feita lugar de justiceiros, como no caso das gémeas, agora o mais seguido reality show, e as escutas de quatro anos a governantes, em que se pescam excertos de conversas para tirar conclusões sobre o mundo.
Nisto tudo, há quem tenha razão e seja moderadamente coerente: Albuquerque foi a sufrágio como cabeça de lista de um partido, que o escolheu de forma democrática, e com um programa definido, prometendo só conversar com os partidos antissocialistas, discurso “encantador” do CDS, do Chega, do IL e do PAN. O que não contava era com uma minoria tão frágil que ao mínimo sopro parece folha de outono. Ou que se tentasse afastar a sua figura do partido, numa tentativa de fazer passar o PSD como um todo sem a sua parte, o seu contributo. Querem substituí-lo porque é arguido? Ora, quem votou nele sabia isso.
E aqui dá-se mais uma peripécia que representa o fim dos ciclos narrativos tradicionais e a volatilidade das narrativas políticas: cai a intrigante segurança do líder do PSD e do Representante da República de que o programa do governo iria passar na ALRAM e o final feliz desmorona-se. Golpe de cena: o Chega vai a Lisboa ouvir Basta! No discurso venturiano, uma capitulação do Chega-M ao PSD iria prejudicar gravemente o impacto populista do discurso de “limpe-se o país já” e seria um desenvolvimento anómalo na sua lógica.
Depois, o drama! O que se alimenta das desconfianças gerais dos cidadãos. Com o programa em risco, aproveitando-se da iliteracia política da maior parte dos eleitores, entra-se na videopolítica do choradinho. Choram os empresários, os clubes desportivos, a Igreja: estamos próximos da catástrofe a viver em duodécimos, um raio de Zeus espalhará o horror. Ora, não é bom governar em duodécimos – que o diga a Câmara Municipal do Funchal que o fez durante 2 anos por causa do chumbo dos partidos antissocialistas. Muitos acharão que esta é a parte da justiça divina a funcionar, mas nós, gente moderada, dizemos que é a vida. A Bélgica fê-lo por quase dois anos e até cresceu. Talvez manter as despesas mês a mês em relação ao ano anterior até obrigue o governo a ser mais poupadinha.
Como sou das que nem dois neurónios têm (coisa de gente que acha que o mundo não vai já acabar com fogo, água a rodos e pragas apocalíticas), ando aqui às voltas a tentar compreender como é que o governo, mesmo em gestão e sem orçamento aprovado, até ao final do mês de abril, aumentou a despesa corrente (com pessoal e aquisição de bens e serviços) em mais de 32 milhões de euros e que a despesa efetiva consolidada cresceu mais de 20 milhões de euros em relação ao período homólogo do ano passado. Terrível paradoxo. Que não é grande, porque, quando justifica, o governo pode de facto usar mais do que o que está estipulado.
Para hoje, está marcada uma reunião ao mesmo tempo com todos os partidos. Consensos numa reunião tão alargada? Não seria melhor daquelas “olhos nos olhos” com um partido de cada vez? Ainda por cima, acaba tudo num episódio e nós queríamos mais. À oposição toca opor-se, aos da corda bamba o equilibrismo e trapezismo. Talvez o Chega aceite a secretaria da inclusão, porque tem experiência em imigrações e afins e ainda se faça a boda governamental. Isto de a política se ter tornado uma questão televisiva, numa superexposição mediática, dá nisto: alimenta-se a narrativa do sistema público e privado em relação ao poder. Com isso, vamos escondendo o facto de que há ciclos que se deterioram e que continuam a tentar alimentar-se das bocadas de ar que vão conseguindo.
No meio disto tudo, as câmaras e os microfones, presas na atualidade, nem tempo têm de mostrar a realidade. Mas, a realidade está aí e vive no desalento dos jovens e das famílias e nada tem a ver com duodécimos.