Ontem, na nossa jornada matinal, reparámos que chovia no mar, a sul, mas que, no sítio onde estávamos, fazia sol. Olhando à sua volta, chamou-me, então, a atenção para o facto de do mesmo sítio conseguirmos ver nevoeiro no alto das serras a norte, nuvens carregadas e ameaçadoras a leste, céu azul, quase sem nuvens a oeste. Um pouco mais à frente apanhámos uns chuviscos fracos, mas suficientes para criar um enorme arco-íris que abarcava todo o Funchal nas nossas costas.
A partir daqui, controlou quase toda a conversa. Explicou-me que era muito interessante que apenas naquele caminho e em tão pouco tempo fosse possível ter vários estados do tempo, mas que já tinha reparado nisso mais vezes. Disse-me que, às vezes, vai mais calado no nosso caminho porque está a ver e a ouvir o caminho.
Fiquei a saber que quando se está com atenção, se ouve o ladrar dos cães e o cantar dos galos, que há uma oficina onde às vezes há barulho e faíscas, que há sítios onde às vezes se sente o cheiro flores, e que "naquela descida depois da via rápida" às alturas em que cheira a doces, que às vezes gosta de sentir a chuva na cara (se não for muita), tal como já me tinha dito que gosta de brincar na lama.
Há tempos disse-nos que não gostou de saber que tinham deitado casas abaixo para construir o novo hospital ("e as pessoas, para onde vão agora?") e que, desde que lha apontei, a bananeira que nasceu num montinho de terra remexida já tem mais do dobro do tamanho.
Dei por mim a pensar que, se calhar, não são os aparelhos eletrónicos e ecrãs que isolam as nossas crianças do mundo, se não seremos nós que não estamos assim tão atentos, que queremos fechá-las em redomas assépticas e, mesmo sem querer, as vamos isolando. Por falta de estímulo, tolhemos-lhes os sentidos necessários para conhecer e apreciar a vida cheia de pequenas coisas que fomos deixando de ouvir, cheirar, sentir…
Felizmente, soube ontem durante aquela curta conversa, ainda não conseguimos, escapou-se-nos entre os dedos e ainda consegue ver, ouvir, cheirar, tocar e saborear o vento e a chuva.
Nos dias que correm nem sempre é fácil conversarmos com as nossas crianças e deixarmos que nos maravilhem com o seu mundo. Mas quando conseguimos, podemos aprender tanto sobre nós como sobre elas.
Por isso vou continuar a tentar aproveitar o tempo que passamos no caminho entre casa e a escola para pôr a conversa em dia, esperando que estude até muito tarde, para que me ensine muito do que já desaprendi.