Há dias, mencionaram que a linguagem é importante para a classe política, porque em política fazem-se coisas com as palavras.
Lembrei-me do que disse publicamente o Secretário Regional da Saúde e da Proteção Civil, Pedro Ramos, dias após os resultados eleitorais de 26 de maio: “Anormais, incompetentes e canalhas não têm lugar nesta terra e mais uma vez a Madeira venceu”. Estas palavras ilustram bem o clima de purga que se constrói na RAM, assim como deixam a descoberto a intenção de ofender e diminuir todas as pessoas que não têm as mesmas ideias que o poder vigente há 48 anos.
Em democracia a opinião é fundamental. O essencial é o debate e não definições fechadas do que é certo ou errado que, automaticamente, eliminam a hipótese de conversa. O discurso de Pedro Ramos não tem qualquer abertura democrática. Deixa implícita a ideia de rebaixamento público de quem não pensa como ele e isso coincide com a sua prática. Afastou o seu motorista por ser apoiante de Manuel António Correia. Em plena campanha eleitoral fez telefonemas, dando o seu contacto e sugerindo que o poderiam usar para facilitar o acesso ao Serviço Regional de Saúde. São conhecidos os convites pagos com o erário público para cocktails ou refeições na Quinta Vigia ou em restaurantes, usando esses momentos para apelar ao voto. Como político, escolhe usar a linguagem para agredir, intimidar e persuadir.
Miguel Albuquerque, em setembro de 2023, afirmou que se demitiria caso não tivesse maioria nos resultados eleitorais. Não só não a obteve como ainda afirmou publicamente que toda a gente sabe que antes das eleições tudo o que se diz é uma questão de semântica. Ou seja, para ele, as palavras são um logro para burlar o eleitor.
Miguel Castro, do Chega na RAM, afirmou na campanha eleitoral que nunca se associaria a Miguel Albuquerque, mas fê-lo ao apoiar a eleição do candidato do regime à presidência da Assembleia Legislativa, tornando-se na muleta desse regime que dizia querer combater. Sendo detetado a conduzir sob efeito do álcool, e para parecer íntegro, escreveu que não iria usar de uma suposta imunidade parlamentar que, afinal, nunca poderia ter. Usa as palavras para mentir, dissimular, burlar.
André Ventura, após um imigrante o ter confrontado com as consequências negativas do discurso racista e xenófobo do seu partido, manipulou um vídeo, aproveitando para atacar os jornalistas que cobriram essa cena de campanha: “Vocês ontem foram os inimigos do povo, os inimigos das pessoas. Ao partilhar uma peça mentirosa, falsa, a manipular as pessoas.” Com as palavras incita ao ódio e ao insulto, apelando à mentira e ao medo.
A comunicação social, que tem nas palavras ditas ou escritas o seu ingrediente, tem sido alvo de críticas por ser ativista de direita ou de esquerda, da pós verdade ou da manipulação da realidade, esquecendo a sua missão de investigar, analisar e relatar contextos, de forma honesta e relacionando-os com as dinâmicas do que é noticiado.
A população desconfia da política e desvaloriza-a, suspeitando das palavras que considera enganadoras. Neste mundo de “fake news” e manipulações, urge fazer coisas com as palavras, mas de forma diferente: saber ouvir, perceber para lá das “semânticas”, reaprender a questionar, dar e exigir opiniões fundamentadas, envolver e participar nos processos de decisão.
Nota – Sérgio Gonçalves entrou para o Parlamento Europeu. Parabéns! O PS tem 2 deputados das Regiões Ultraperiféricas Portuguesas. Sérgio é o único que representa a Madeira. Contamos com ele!
* John Austin