Antigamente, para se construir um edifício recorria-se à sabedoria erudita. Estudavam-se os ventos dominantes de um local, as incidências solares, os declives, as linhas de água, as quebras nos muros das imediações e, com todos estes dados, formulava-se uma implantação adaptada a uma circunstância. Atualmente, fazem apenas afastamentos de 3 metros ao limite da parcela e o trapezoide que daí resultar (por mais estranho que seja) é a implantação da nova construção.
Esta transformação nos métodos de projeto, falsamente revestida de progresso, tem-se revelado uma inversão dos princípios que, desde o primeiro abrigo do homem, guiaram a arquitetura a partir de uma compreensão erudita do meio ambiente. A arquitetura vernacular é um palimpsesto de saberes construtivos amplamente experimentados, cujo saber é passado e afinado de geração em geração e adaptados a cada território e circunstância, é por isso uma forma de construir intemporal. É pré-digital e pré-certificação energética e podemos considerar como a epítome da sustentabilidade dado não haver a obsessão moderna pelos gadgets tecnológicos ou pelos certificados de eficiência energética que são, em si, ironicamente ineficientes no contexto da nossa verdadeira relação com o ambiente e com o território.
Parece que nos esquecemos de como construir interpretando o território e o clima, proliferando uma dependência excessiva em tecnologias complexas e nas graduações de eficiência energética de A a G. Hoje adjetivam-se de “sustentáveis” edifícios com sistemas de climatização de ponta, orientados não pelos ventos predominantes, mas pelos manuais de instruções dos seus sistemas HVAC. E tudo isto sob a (falsa) promessa de serem “verdes”, porque o certificado assim o garante.
Ao revisitarmos a arquitetura vernacular, encontramos estratégias simples e eficazes que a arquitetura contemporânea parece ter esquecido: a ventilação cruzada, que permite um arrefecimento natural através da disposição cuidada dos vãos; as torres de vento, percursoras dos ventiladores passivos modernos; as espessas paredes de pedra, que amortecem as variações térmicas de forma muito mais eficaz do que qualquer painel de última geração. Estas soluções, adaptadas ao solo, ao clima e às vivências, são a essência de uma arquitetura que não impõe, mas sim interpreta e aprende com a envolvente. Uma arquitetura que não se afoga em números e tabelas, mas que escuta a linguagem do lugar e dos seus habitantes.
Um edifício certificado com classe energética A+, com os isolamentos como manda a lei e equipado de sofisticadas bombas de calor, mas com uma orientação solar desastrosa, vãos virados a nascente e poente sem qualquer sombreamento, pode cumprir os regulamentos, mas falha na missão primordial da arquitetura: proporcionar conforto e bem-estar. A obsessão pelas certificações e pela incorporação de tecnologias de ponta criou uma ilusão de sustentabilidade, uma ilusão que esquece as lições fundamentais que a arquitetura vernacular nos deu. A verdadeira sustentabilidade não se mede em certificados, mas na adaptação ao contexto.
A ironia está em que, na procura desenfreada pela inovação, poderemos estar a retroceder, afastando-nos dos princípios básicos que nos ensinaram que a verdadeira sustentabilidade reside na compreensão do ambiente, e não na sua subversão através da tecnologia. Afinal, de que vale um edifício ‘inteligente’ que ignora o vento que sopra, o sol que aquece ou a terra que sustenta? É necessário, que revisitemos e revalorizemos as práticas ancestrais, não com saudosismo ou nostalgia, mas como uma estratégia para enfrentar os desafios ambientais que se avizinham.