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Artigo de Opinião

9/11/2022 08:00

Mais do que as peripécias, Douglass descreve a evolução mental de um escravo que se descobre escravo, que se descobre ser humano, que se descobre indivíduo e livre apesar das grilhetas; nem sempre físicas.

Num golpe de sorte, aos sete anos de idade, este escravo é emprestado a uma família sem hábitos prévios como donos de escravos, em ambiente urbano, para servir de companhia ao filho do casal, pouco mais novo. Ao ensinar o filho a ler, a senhora começou, também, a ensinar o pequeno Frederick. Depois de proibido, eventualmente, de continuar a aprendizagem, Douglass, tendo-lhe tomado o gosto, arranja formas de, aqui, ali e clandestinamente, continuar a ler e a aprender a escrever. Assim foi tomando conhecimento da sua existência além da condição de animal de trabalho; tomou conhecimento da sua própria humanidade e condição de servidão forçada.

Anos depois, já homem de 16 anos e alugado a um fazendeiro com reputação de domador de escravos, recusa-se a ser chicoteado e, depois de lutar longamente com o seu agressor, conseguiu. Descobriu-se, então, indivíduo com poder de decisão sobre o seu destino, e tomou a decisão de nunca mais se deixar chicotear, mesmo que isso lhe custasse a vida. Segundo o próprio, conseguiu-o, apesar de se manter escravo por mais cerca de quatro anos.

Passou esses quatro anos até a sua fuga — dado como impróprio para a vida nos campos, estragado pela leitura — devolvido ao ambiente urbano, empregue em trabalho especializado (como calafate). Ganhava bem mas, sendo escravo, todo o seu ordenado era entregue ao seu dono, que decidia quanto lhe havia de devolver, como agradecimento e, claro está, por ser muito generoso. A Douglass, cada vez mais decidido na sua fuga, a devolução daquela pequena parte do fruto do seu trabalho não era mais que a admissão de que aquele salário lhe pertencia na sua totalidade, não ao seu "benemérito" dono. Mais se sentia ofendido Douglass quando, como recompensa por trazer rendimento extra à carteira do dono, recebia uns trocos a mais, uma vez que percebia que isso aliviava a consciência do ladrão que o privava do usufruto pleno do seu labor.

Após a fuga, vivendo sob a capa da clandestinidade, Douglass envolve-se na causa abolicionista, ao serviço da qual coloca o seu talento para a oratória e para a escrita.

A leitura deste livro vale a pena, além do simples prazer da leitura, por nos dar a conhecer este pertinente defensor de causas da liberdade, desde a abolição da escravatura ao sufrágio universal. Pessoalmente, fez-me pensar no que significa a escravidão, no que significa ser escravo.

Alguém que não se reconhece como indivíduo capaz de escolher, que troca essa escolha à segurança da previsibilidade de obedecer sem questionar; será um escravo? Será necessário, para definir um escravo, que o indivíduo seja forçado — pela violência ou ameaça de — a empregar o seu labor ao serviço de outrem? Ou bastará que seja forçado — pela violência ou ameaça de — a entregar o fruto do seu trabalho a outrem? E a partir de que proporção desse fruto é que a escravidão começa?

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