A Região transformou-se num cenário privilegiado para a confirmação das teorias de Carl Schmitt para quem a política consistia, antes de tudo, na identificação do inimigo. Esta certeza leva a que alguns protagonistas regionais queiram tornar inexequível qualquer possibilidade de diálogo e de entendimento, fechando janelas e portas que não são suas, e agindo como donos da vontade e da soberania populares.
Esta obsessão com a vida interna dos outros é peculiar: há uma casta que pode definir quem pode dormir com quem, que preço tem de pagar, quem pode entrar na festa, quem é barrado à porta ou quem serve para muleta de ocasião ou ódio de estimação. Os restantes, os párias, são adereços ou transeuntes involuntários que têm de obedecer aos predicados exteriores, sem manifestar vida ou vontade próprias. O quadro é sintoma do tempo, um tempo agreste, feito de ressentimento, inveja e rancor, alimentado por uma ansiedade que não deve deixar dormir descansado. Para os socialistas, só há amigos ou inimigos.
É custoso assistir a este frenesim cujo intuito é ludibriar, sem qualquer elegância, o povo e a opinião pública, fazendo-se passar por vítimas, quando são carrascos dos seus próprios instintos e responsáveis pelos seus actos. Nesta salganhada, fazem-se ofendidos nos dias pares, para virarem ofensivos nos dias ímpares, sem paragem para descanso. Apenas uma certeza atravessa todos os dias: esse ódio primário ao PSD e aos governos que construíram e solidificaram a Autonomia e que tiraram o Povo do obscurantismo em que vivia. Pelo meio, disfarçam com dúzia e meia de trivialidades que ninguém de bom senso negaria, mas sobre os madeirenses e o seu futuro nada, népia, zero, bola. O que lhes importa é definir o branco e o preto, o certo e o errado, o verdadeiro e o falso, o bom e o mau. Há os deles (os bons) e há os outros (os maus). Duas barricadas, a velha luta entre gibelinos e guelfos, onde no meio não há vida possível, só a certeza da destruição do outro. Nada mais cabe na história.
Em tudo isto, alguma coisa é política reactiva (acção-reacção como definição newtoniana). Mas o grosso é simplesmente política negacionista não no sentido escorreito dos maluquinhos e doidos que abundam nos mundos alternativos e paralelos, e cuja imaginação conspirativa amo com particular gozo e deleite, mas de negação da evidência política. Primeiro, negavam a obra da Autonomia e da Social-democracia no desenvolvimento integral do povo madeirense; agora, negam a democracia, os resultados eleitorais e, consequentemente, a realidade.
Não se surpreenda, portanto, com o ascenso do ressentimento que a velha ganância socialista insular sustenta com particular eficácia, metralhando as pessoas com falsidades e com os cantos de sereia que também enlouqueciam Ulisses. É fácil ao descontente embarcar numa viagem sem rumo. Mas esta exploração do ressentido serve unicamente para beneficiar o populismo que, à esquerda e à direita, mina e escarifica a confiança nas instituições e na democracia, num festim de sicofantas. Importa o poder a qualquer preço, se sobre um deserto ou se sobre terra salgada, isso não tem relevância.
Bismarck, o unificador da Alemanha, dizia que nunca se mentia tanto como antes de uma eleição, durante uma guerra e depois de uma caçada. Olhando para o panorama regional, a sentença do século XIX assenta como uma luva neste primeiro quartel do século XXI. É perceptível que as eleições mexeram com a Região e alteraram os seus dias. E é inquestionável que agitaram tanto que o grande derrotado insiste em continuar em leilão eleitoral, não aceitando o resultado da contenda e falsificando o balanço da sua caçada. Mas o derrotado tem uma qualidade inata que aprimorou com os melhores: transforma desastres eleitorais em duvidosas (ou serão insondáveis?) “oportunidades históricas”.
No resto, um extraterrestre aqui aterrado talvez mostrasse alguma curiosidade sobre o tempo que hipoteticamente duraria a terceira Cruzada, perdão, a terceira coligação face ao apetite voraz do seu mentor, um homem que desde 2019 é sucessivamente rejeitado pela população. Mas o destruidor de coligações procura mais uma para engrandecer o cadastro, falsear a democracia, passar uma declaração de menoridade aos madeirenses e às suas escolhas recentes e, depois, claro, aniquilar os apêndices à primeira oportunidade ou ao primeiro sarilho. Quem não o conhece, que o compre. Conhecendo-o, parece-me mais difícil, apesar do transformismo e da efémera cosmética. É por tentativa e erro que o cemitério se povoa com os cadáveres políticos das suas vítimas. Quem deseja ser o próximo?