Ao longo dos anos, para mim, torna-se cada vez mais claro, que os grandes grupos são reflexo dos indivíduos que lhes pertencem. E com a prática de vários anos na saúde mental e na medicina, vai-se esclarecendo que um dos principais motivos para o sofrimento humano, é o que as pessoas acreditam que lhes falta. É algo que acreditam que têm direito e que esse direito foi negado.
Um dos sofrimentos é com a morte. "Deus levou-o". A noção de algo ou alguém nos roubar o que é nosso, causa um sofrimento intenso, difícil de reparar. A manutenção deste tipo de pensamento impossibilita a recuperação e o luto. A compreensão dos ciclos da vida e da aparente aleatoriedade dos eventos, conduz-nos à tranquilidade de aceitarmos a vida como ela é, em que raramente temos controlo sobre os eventos.
Nos casamentos, ouve-se que "ela roubou-me o marido"; nos trabalhos "ele roubou-me a promoção", "colocou-me na prateleira"; em todas as áreas da vida, alguém perdeu algo e isso causou sofrimento. Filhos que sofrem por perderem os pais, por os pais nunca terem mostrado o que é o amor; companheiros silenciosos que se expressam pouco; e tantas outras variações do mesmo.
E se, pudéssemos pensar de outra forma? E se, o foco não fosse o que não temos ou o que perdemos, mas antes o que temos? Apreciarmos as pequenas coisas do nosso dia-a-dia é uma das propostas da psicologia positiva. O nosso cérebro é especialista nas repetições, logo, se construirmos um padrão de pensamento mais positivo, ele vai tornar-nos mais resilientes ao sofrimento. O conceito de o sofrimento ser em parte psicológico, é um conceito duro de encaixar no padrão de pensamento atual, com as suas distrações e imediatismos. Há milénios que estes conceitos são claros no budismo e tornaram-se mais simples através do mindfulness / atenção plena. Há uma boa parte do sofrimento humano que é quase uma opção. A forma como escolhemos viver, como olhamos para nós e para a nossa vida, determina, em parte, como nos sentimos.
É importante salientar que a depressão é uma doença e não é uma escolha, mas que a nossa forma de pensar e sentir, muda a nossa capacidade de resistirmos à doença e de recuperarmos dela. Muitas pessoas vão sempre necessitar de intervenção médica e farmacológica. As intervenções psicoterapêuticas são fundamentais para a análise dos padrões de pensamento e receber-se a ajuda necessária para os mudar. Esta é uma das chaves principais para a recuperação e aumento da resiliência. Todas estas intervenções salvam vidas diariamente. O sofrimento não deve ser banalizado com frases feitas - "tu és capaz"; "só estás assim porque queres", etc. O melhor apoio que as pessoas podem dar, é a sua presença em silencio e a escuta ativa. Muitas vezes não é preciso nada mais. Só estar e ouvir.
Para a sobrevivência da humanidade, é necessária a integração individual dos principais conceitos do budismo, como o desapego e compaixão, aliados à capacidade de perdoarmos as ações dos outros. Sem a libertação da ilusão do "meu direito", não acabam as guerras. Um mundo, uma humanidade.