O baloiço estava preso ao corredor do quintal, por onde, na época certa, subia orgulhosa a planta da aboboreira, que a minha mãe plantava e cuidava.
Foi o meu pai que o instalou recorrendo a dobradiças da loja de ferragens onde começou a trabalhar aos 14 anos. O meu pai viveu um tempo no qual os homens não se faziam homens pela idade, mas sim pelas circunstâncias. E assim o meu pai, órfão do pai dele, fez-se homem da casa aos 14 anos.
Não sei se foi por isso que parecia apostado em garantir que nós seríamos crianças pelo mais longo período de tempo possível. E tudo fez para nos manter nesse estado inicial.
Daí o entusiasmo que colocava em montar bicicletas e rodas de apoio, em comprar brinquedos no arraial do Monte, em manter o Pai Natal vivo quando este já tinha morrida na nossa fantasia e credulidade, em colecionar connosco os cromos e em acreditar até ao fim no prémio que haveria chegar. Como daquela vez em que fizemos juntos a coleção de cromos da Pipi das Meias Altas. Durante meses planeámos a viagem à Suécia que seria sorteada. Era quase real aquela viagem, quase que nos víamos no avião e naquela terra então tão distante do nosso quintal.
Nunca fomos à Suécia.
Foi mais fácil concretizar o plano de instalar o baloiço, que em poucas horas ergueu-se orgulhoso no meio do quintal. Um banco de madeira, duas cordas de ferro e as dobradiças lá no alto que chiavam ao nosso movimento.
O pai colocava-se atrás e com as mãos dava balanço e os nossos pés quase pareciam tocar o céu e os rebentos da aboboreira. Era uma alegria que se instalava ali próximo ao estômago e que irradiava até ao coração em compasso com o balanço do meu pai. E, quando sossegávamos, ele mesmo se sentava no baloiço e acendia em cigarro. Quem sabe se a sonhar com a infância interrompida pelas circunstâncias que o fizeram um homem aos 14 anos. O homem da casa.
O meu pai nunca soube ser outra coisa que não fosse o homem da casa, a segurar a infância dos que a podiam ter.
Talvez por isso, quando o nosso interesse pelo baloiço terminou, e deixámos de o usar, o meu pai ficou assim perdido ao vento como o baloiço. Sem saber o que fazer de crianças que já não eram crianças. Ficou naquela tristeza infinita de já não saber o que instalar depois do baloiço, ignorava que geringonça seria capaz de nos fazer voltar a sentar na infância onde éramos felizes.
O baloiço criou ferrugem, o meu pai envelheceu e partiu, e nós, os miúdos, crescemos. Mas sabes, pai, a gerigonça que nos faz voltar ao baloiço é a memória. E como o baloiço, ela balança entre o passado e presente e opera a sua magia de fazer regressar o teu sorriso.