O meu cão não tem raça, nem pedigree, nem uma história de prémios ou de filiações ancestrais. Não sei onde nasceu, que história teve antes de chegar a mim, demasiado pequeno para já estar longe da mãe. Antes desse dia, apenas um facto foi registado: o abandono.
Felizmente o meu cão teve a sorte de ser adotado, felizmente eu tive a sorte de o ter encontrado, felizmente esta história começou a escrever-se com a felicidade que todos os animais merecem. Infelizmente esta não é uma história de que todos os cães podem beneficiar, porque a maioria não tem ninguém que a escreva por eles. Muito pelo contrário.
Esta crónica tem, por isso, o objetivo de falar e de tentar um movimento de escrita que leve a uma maior justiça para com os animais, e que, nesse movimento, também nos eleve a nós enquanto espécie para um patamar mais consciente, mais humano, mais solidário.
Esta crónica é dirigida aos que ainda amarram cães uma vida inteira, aos que abandonam, aos que agridem, aos que não cuidam, aos que, na sua suposta superioridade de animais racionais, praticam todas as infâmias que nos colocam abaixo de cão, para usar terminologia que essa gente que assim atua conhece e na qual se reconhece.
Mas um cão ou qualquer outro animal não tem de estar nem abaixo de si próprio, nem abaixo de uma vida digna que deve ser garantida a todos quantos respiram e sentem. Se um dia teve a ideia de ir buscar um animal de companhia, esse dia assinala a sua responsabilidade para com ele. Uma responsabilidade que não deve incluir maus tratos, falhas, abandonos. Até porque todos estes maus comportamentos não definem os animais, mas dizem muito sobre quem assim atua.
Não, o vosso conforto e interesse não é mais importante do que os valores que devem presidir à sã e correta convivência entre espécies. As suas férias não são mais importantes do que a vida daqueles com quem partilham este planeta. Abandonar, maltratar, desprezar, esquecer, fazem de si um mau ser humano. Há lugar para todos, há lugar para tudo, há lugar para a decência e para a humanidade. Os animais perdoam tudo e têm uma capacidade inata para voltarem a acreditar e para voltarem a ser felizes. Infelizmente nem todos têm segundas oportunidades. E a não oportunidade de todos eles, dos que morrem acorrentados e dos que morrem ao abandono, é mais um degrau abaixo na suposta superioridade humana.
Raquel Gonçalves escreve
à segunda-feira, de 4 em 4 semanas