Para mim, ontem seria um não-dia. Um não dia do pai sem pai. Um dia apenas de uma memória, um dia de ausência pesada. Mais pesada do que todas as efemérides arrumadas no calendário.
Um dia sem remetente para as mensagens, sem destinatário para as prendas, para o beijo e para ternura. Até sem remetente para esta crónica.
Sem pai, fui ao treino de domingo. E, para minha surpresa, o professor Fábio Camacho levou o pai. Disse perante uma sala cheia: este é o meu pai e, porque hoje é o Dia do Pai, vem para conhecer o que faz o filho.
De repente, daquela surpresa inesperada, o professor Fábio Camacho devolveu-me o Dia do Pai, devolveu-me um pai que, não sendo o meu, estava ali como testemunho desse elo infinito entre pais e filhos.
Devolveu-me também essa coisa perene e mágica da infância de um pai que vem ver o filho, que assiste orgulhoso às conquistas, aos treinos, aos golos, às aulas de ballet se forem meninas, às peças de teatro, às atuações, às festas da escola, a todos os rituais académicos desde a infância à universidade.
A sala de treino centrou-se toda ela nesse músculo que também é o coração. Tudo ali concentrado no bater certo de uma ternura que nos toca a todos, que somos filhos e filhas.
O músculo coração olhou com ternura e saudade para aquele pai que ficou ali, de frente para uma sala de desconhecidos, com o orgulho e carinho que todos os pais sentem pelos filhos.
O músculo coração olhou comovido para o gesto enorme de um filho numa demonstração de amor pelo pai.
De repente, o Dia do Pai fez-se coisa concreta, porque um pai nos olhava a todos através dos olhos de um filho. E isto é quanto basta para combater qualquer orfandade ou ausência.
Isto é quanto basta para nos trazer de volta o pai, o nosso, o de todos, esse denominador comum que nos torna esta coisa humana e inacabada que somos, mas também a maravilha de termos, como um dia escreveu Luís Mourão, essa máquina perfeita na sua imperfeição: um coração que bombeia mais fábula do que sangue.
Foi um gesto bonito e imenso, como são todos os gestos que se fazem em direção à ternura, como coisa certa e única. Obrigada!