Venho de um tempo longe do Halloween. Ou, melhor dizendo, ainda venho de um tempo longe de tudo, sobretudo longe desta época que tudo transaciona e onde as coisas chegam fora do seu tempo, apressadas.
O Halloween começa um mês antes. O Natal mais de dois meses antes. Tudo vive de uma velocidade ditada pelos mecanismos que nos são externos e menos pelo coração.
Não faço a crítica ao presente. Gosto de todos os tempos que me calharam viver e de todas as suas circunstâncias. Mas isso não me impede de reconhecer que vivemos todos uma espécie de aceleração, como se houvesse uma máquina fora do peito a impelir para a frente, sempre mais para frente. Para esse tempo onde seremos completos, onde seremos felizes, onde finalmente vamos poder viver o presente, mas só até esse presente estar já um passo atrás de um outro futuro que surge na sua aceleração maquínica e devoradora.
Gosto do meu presente, mas, às vezes, há um cansaço desta velocidade. E é na dobra desse cansaço que é bom recordar a forma lenta do passado da infância. A maneira como os dias se prolongavam em horas intermináveis. A forma como um dia como o de hoje, o Dia do Pão Por Deus, se prolongava na sua preguiça de feriado. Dava tempo pela manhã a minha mãe bordar uns trapos velhos para fazer os sacos do Pão Por Deus que levaríamos pela vizinhança com as nozes e as castanhas.
Até o trabalho de paciência de descascar as nozes e de tirar a 'carepa' às castanhas fazia parte de um projeto lento dos dias. Não havia cá sacos com frutos secos já prontos a consumir. Tudo saía das nossas mãos pequenas e das mãos crescidas que nos guiavam rumo a um futuro sempre distante.
E, neste dia, a mais de um mês do Natal, o Natal era esse futuro distante que ainda levaria muito tempo para chegar. Fosse às lojas, fosse ao nosso coração lento e às horas lentas dos dias.
Podíamos perfeitamente descansar a cabeça no nosso tempo e não num tempo mais à frente, sempre mais à frente como agora. Éramos daquele território que se demorava na nossa pele a expandir um futuro longínquo. Éramos daquele presente como tempo único, porque diante dele tudo era ainda incerteza, sonho ou desejo.
Éramos do tempo do Pão por Deus lento nas mãos da minha mãe a fazer saquinhos com panos velhos que nunca se deitavam fora. Talvez porque deitar fora pressupunha uma inutilidade que só acontece no futuro e, no nosso tempo primeiro, tudo acontecia no presente.