Chama-se Serap Ela, tem cinco anos, e foi resgatada dos escombros na Turquia, 51 horas depois do violento sismo que destruiu a cidade de Hatay.
Cinco anos de fragilidade debaixo de uma cidade destruída, cinco anos de milagre vivo onde a vida já não parecia possível, cinco anos de nascer uma segunda vez.
Se no primeiro nascimento a nossa humana condição apenas nos permite chorar quando o ar do mundo nos dói nos pulmões resgatados à água inicial, o que nos permitirá um segundo nascimento, uma segunda oportunidade, uma improbabilidade tão grande nos escombros de uma cidade inteira.
Com cinco anos, Serap disse apenas isto aos socorristas que a pegaram ao colo: "Eu sou muito pesada!"
Que peso este? O dos seus cinco anos? O das explicações que lhe davam os pais para já não a carregarem mais no regaço? O de ser crescida como é desejo de todas as crianças? Provavelmente seria tudo isto se Serap não tivesse vivido o indizível e a improbabilidade de estar viva.
Há um peso em Serap que não é o dela. O peso de sobreviver ao impossível, o peso de perder tudo, o peso de um resgate, o peso de quem viveu em poucos minutos a destruição de uma cidade e da vida como ela foi até ali. O peso de um milagre retirado em braços à terra.
O peso de Serap é o peso que vemos em todas as fotografias da Turquia e da Síria. O peso nos olhos do homem que segura a mão da filha adolescente morta e ainda soterrada pelos escombros. Uma mão fria que recusa abandonar como se segurasse a própria vida. E segura. O peso nos olhos de um outro homem que, do fundo de um desespero estranhamente calmo, conta aos repórteres que perdeu tudo. A casa, a família, tudo. O peso da pergunta: como recomeçar?
O peso de todas as crianças que têm sido resgatadas muitas horas depois, peso de milagres vivos numa cidade morta.
O peso dos adultos, também resgatados, que olham incrédulos a luz do dia e o regresso à vida.
Até nos olhos dos animais se vê este peso, esta incredulidade e, apesar de tudo, esta esperança.
Tal como Serap, todos eles têm um peso que não é apenas o do seu corpo, o da sua idade, o da sua vida. É um peso que não se mede, um peso pessoal, próprio, um peso da terra, das casas destruídas em cima da fragilidade humana e animal. Um peso que se sente por dentro e de dentro.
As cidades destruídas são hoje menos pesadas do que o peso da gente que se salva. Ser mais pesado do que uma cidade! Eis um projeto de uma arquitetura humana.