O Ruído do Tempo é um livro de Julian Barnes que ando a ler por estes dias. No livro, é defendido que só quando o ruído do tempo diminuiu se pode ouvir melhor a música, se pode entender melhor a arte, se pode, enfim, ler melhor o mundo tal como ele foi num determinado período.
Como toda a boa literatura, também a de Barnes nos interpela e nos faz pensar para lá daquilo que está escrito. Talvez porque também é quando o ruído da leitura de um livro cessa que melhor se pode ouvir o eco que ele deixou em nós.
A questão do tempo torna-se realmente premente quando avançamos nos anos. Seja porque o tempo se torna mais audível e mais visível em nós, seja porque o passar do tempo soma os anos e o que de dentro deles se soma a nós.
Pergunto-me hoje quando cessará o ruído daquele que foi o nosso tempo. Aquele tempo breve de uma vida inteira. Primeiro no silêncio das palavras apenas escritas e depois na tua voz tão surpreendente a dizer o meu nome e o nome das coisas. Das coisas por fora como a casa, o verde, as ruas, o teatro, a geografia nova que me ensinavas, desenhando o mapa dos lugares que querias fazer nossos. Substituir memórias, dizias tu. Substituir as memórias antigas pelas novas. Desenhar o que um homem quer recordar quando a vida chega ao fim.
Depois o ruído terno do amor, o ruído melódico da música, o ruído familiar da casa quando o som que primeiro assusta se torna, por fim, familiar.
Não sei quando será que o ruído do nosso tempo começará a diminuir, apenas sei do medo de perder o som. O nosso som. O teu riso, a tua voz, a nossa música, o som da casa por dentro. O silêncio da noite, o canto dos pássaros, a chuva exatamente como ela caía e o vento como ele soprava no nosso lugar.
Desejo, no fundo, que este ruído do tempo não diminua, mesmo que essa seja a condição para perceber melhor o mundo, ou para perceber melhor uma parte dele que se fez tão essencial quando virada agora para este futuro.
O ruído do nosso tempo é música. O ruído fora do nosso tempo é apenas este silêncio que se faz abismo. Ser feliz é fácil, basta um instante ao meio da vida. Ser o contrário de feliz precisa de uma vida inteira para aprender a sobreviver e para aprender o silêncio.