Uma das dúvidas mais frequentes sobre os valores da taxa de risco de pobreza para a Madeira, resulta da existência de algum nível de informalidade do ponto de vista do que são as relações entre os vários agentes económicos. Apesar da Autoridade Tributária (AT) ter apertado a malha nos últimos anos, sabemos que continuam a existir situações de não emissão de recibo, de arrendamentos sem contrato (e sem recibo), de pessoas que não têm conta bancária e recebem a contrapartida pelo seu trabalho em dinheiro. Naturalmente, quando chamados a responder aos inquéritos, muito embora a informação recolhida pelas autoridades estatísticas esteja sujeita a confidencialidade e não seja partilhada com a AT, os inquiridos naturalmente têm tendência em omitir esses rendimentos. Sobre este aspeto, há duas perguntas que se podem fazer: quem omite mais, os mais pobres ou os mais ricos? E na Madeira, omite-se mais do que no resto do país?
Não há resposta para nenhuma das questões. Em relação à primeira, pensando a nível do País, se os ricos omitirem proporcionalmente mais os seus rendimentos que os mais pobres, isso empurraria a linha de pobreza para cima e a taxa de risco de pobreza (e a desigualdade) seria ainda maior no País e nas regiões.
No que diz respeito à segunda questão é uma incógnita, até porque em conversas com pessoas que vivem nas regiões do Continente, todas falam das mesmas situações de informalidade. O problema é geral e não específico da Madeira, nem de Portugal.
Mas há casos em que nitidamente há situações muito particulares que levam a taxa de risco de pobreza para patamares elevadíssimos devido à situação de informalidade. É o caso da Sicília, apresenta uma taxa de risco de pobreza próxima dos 40%.
Não surpreenderá pois que a taxa de risco de pobreza nas regiões autónomas seja influenciada por um contexto de informalidade superior à média nacional, mas não há meio de cientificamente garantirmos que assim é.
No artigo inicial enunciei as dificuldades económicas que permitem avaliar a privação material e social (severa ou não severa). Uma delas diz respeito à manutenção da casa aquecida. Ora, devido ao nosso clima, particularmente no inverno, muito distinto do da Europa continental e mesmo de outras ilhas geograficamente em latitudes mais a norte, na maioria dos lares da Madeira não há sistemas de aquecimento nem os mesmos são sequer necessários.
Este ponto é dado por vezes como exemplo da desadequação do ICOR para a nossa realidade. Contudo, segundo consegui apurar, as indicações do INE vão no sentido de as habitações que estão adequadamente aquecidas de forma natural (ou seja sem o recurso a lareira ou de um aquecedor) gerarem uma resposta de que o agregado tem capacidade financeira para suportar o aquecimento da casa e, portanto, não há penalização nenhuma para a Região com esta pergunta.
Mesmo que houvesse, o inquérito é europeu, com questões obrigatórias para todos os Estados-membros definidos pelo Eurostat e não seria o caso específico da Madeira e talvez das Canárias que iria fazer com que esta questão desaparecesse do inquérito.
Por outro lado, alguns resultados do inquérito são contraintuitivos. A mediana do rendimento diminuiu de 2020 para 2021, quando nos anos anteriores tinha aumentado sempre. A taxa de risco de pobreza com linha de pobreza nacional em 2020 decresceu, quando a expetativa era que aumentasse com a forma como a pandemia se abateu sobre a Madeira. E, em 2021, como a economia melhorou, seria de esperar que aquele indicador descesse, mas a verdade é que subiu. Curiosamente, a ignorada taxa de risco de pobreza com linha de pobreza regional variou conforme era previsto, ou seja, piorou em 2020 e melhorou em 2021, o que é mais uma razão para quem fala sobre este assunto olhar para esse indicador com mais atenção.
Seja como for, como algumas variações são difíceis de compreender, o mais adequado é atender à tendência de médio-longo prazo. E, no caso da taxa de risco de pobreza com linha de pobreza nacional, a conclusão é evidente: os números de 2020 e 2021 são os mais baixos de sempre para a RAM.
Na desigualdade, nomeadamente no coeficiente de Gini estamos melhor do que em 2017 e 2018, ou seja, com menos desigualdade e o valor de 2021 está muito próximo da média nacional.
Será que devido aos aspetos que referi acima, a Região deveria fazer um inquérito próprio? Seria, a meu ver, um desperdício de dinheiro. Abrangendo só a Madeira, a taxa de risco de pobreza que obteríamos seria idêntica à taxa de risco de pobreza com linha de pobreza regional apurada pelo INE (17,6% no último ano) e por essa razão a taxa de risco de pobreza ou exclusão social seria também mais baixa.
Além disso, serviria para consumo interno, pois concorde-se ou não, para as instâncias europeias, o que vale é o ICOR.