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Artigo de Opinião

6/11/2021 08:01

Imaginemos que alguém não gosta de ouvir, muito menos ler, conjugar o verbo principal de um verbo composto. Imaginemos, também, que não é o único a quem tal pecado linguístico causa desconfortáveis calafrios. Avancemos um pouco, para o ponto em que este grupo de higienistas da linguagem influencia uma massa crítica considerável, pelo que se torna possível propor que se castigue quem cometer o vil pecado. Como não são más pessoas (espera-se), não é exigido que se atirem com os desfiguradores da língua para os calabouços. Pede-se apenas um puxão de orelhas figurado, pelo que uma multa de valor residual é mais que suficiente. Que é que acontece a partir do momento em que tal castigo passa a ser implementado por lei? Basta que sejam todos muito bem comportados, cientes do que dizem e escrevem(!), e tudo corre bem. Ficam os benévolos guardiães da linguagem a salvo do desconforto cuticular e de quem acabasse multado. Mas, enfim, como nenhum de nós é perfeito, um dia alguém tropeça num "foram todos vacinarem-se", por exemplo. Digamos, para facilitar, que o patife sou eu. Um agente judicial bate-me à porta e cobra-me a multa; eu, refilão como sou, recuso-me a pagá-la. Como a lei tem de ser asserida, ou não teria qualquer significado, eu sou forçado a apresentar-me em tribunal. Confirmada a multa, de valor residual com custas às costas, e continuando a não ceder à judicialização da higiene linguística, teria contas e bens arrestados até pagar. Resolvido na minha teimosia, imagine o leitor que eu resistia à miséria imposta. Que se seguiria? O calabouço, porque a lei tem de ser cumprida. E se eu resistir, por não achar justo que me castiguem por dá-cá-aquela-palha?... Deixo à lógica do leitor o próximo passo.

Quer isto dizer que quem pretende esta ou aquela lei tem a intenção de exercer violência sobre terceiros? Não; de todo. As intenções dos indivíduos são, na maior parte das vezes, boas. As consequências, no entanto, não mudam conforme a bondade da lei. A lei é sempre imposta no pressuposto de que a desobediência é, em último caso, castigada com violência — caso contrário não teria efeito. Caso contrário não seria necessário montar qualquer sistema judicial, ou penal. De que serviria armar um grupo de pessoas, imbuí-las de autoridade e autorizá-las a fazer uso da violência que não se permite ao cidadão comum, se não fosse para que sejam uma ameaça — mesmo que com cara simpática e muito contrariados — permanente sobre todo e qualquer potencial prevaricador?

Pessoalmente, como estou disposto a defender-me, se necessário ao sopapo, do roubo e da agressão, lá me concedo o direito a trespassar essa disposição ao agente judicial. Como não estou disposto a fazer uso daquele sopapo para fazer valer a minha opinião sobre este ou aquele vício, este ou aquele mau comportamento não-violento, prefiro inibir-me de trespassar um direito que eu próprio não me concedo.

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