No caso da audição ao Ministro João Galamba, por exemplo, investi mais tempo à espera dos momentos "chapa amolgada", mais que certos, mas confesso que o que me mais me chamou a atenção não foi o desastre, mas o pormenor. Um pormenor que ilustra como se encara o poder, pelo menos em Portugal, para lá do próprio Ministro. Um pormenor que além da postura do insigne governante na reconstrução da verdade, como o próprio o descreveu, com a certeza de que a sua reconstruída verdade teria de ser absoluta por defeito, pela natureza da própria e do seu reconstrutor, diz muito da forma como ele se vê e acha que os outros o devem ver. O pormenor a que me refiro, mais revelador da mentalidade da generalidade do país — não escapando a nossa Região, infelizmente — manifestou-se aquando da narração da chamada das forças de segurança ao Ministério sob a sua firme e afoita asa.
Pensar-se-ia que o ilustre Ministro, temendo pela segurança do pessoal do seu gabinete e considerando urgente que se enviasse uma equipa da PSP para proteger as aterrorizadas senhoras (segundo o próprio, evocando para si o másculo papel de protector), assumisse a responsabilidade de ligar para o número de emergência sobejamente conhecido por todos. Em vez disso, o patriarcal Ministro ligou para o Ministro da Administração Interna para que este o pusesse em contacto com o Director daquela força policial, perdendo segundos e minutos urgentes. Fê-lo por desconhecer a existência do 112, ou mesmo por achar que seria mais rápido por aquela via? Não acredito. Até prova em contrário, o que o venerando Ministro quis foi pôr a equipa policial que por lá aparecesse em sentido, sabendo que a chamada vinha de alguém muito importante, não de um qualquer cidadão. Foi uma asserção de autoridade, mais importante do que a emergência sentida. Os agentes viriam com mais respeitinho, tenho a certeza (tenho eu, e teve o Ministro).
Infelizmente, neste país (e esta Região Autónoma não é excepção — antes pelo contrário) raramente quem pode flectir alguma autoridade, ou tem a possibilidade de insinuar uma potencial retribuição valiosa, o deixa de fazer. O professor tem de saber que este é meu filho, o médico tem de saber que que sou fulano ou sicrano, o polícia que pensa em multar-me tem de ouvir um "sabe quem eu sou?" preventivo.
"Todo o poder tende a corromper", afirmou Lord Acton. A perspectiva de perder esse poder, principalmente quando se tem noção de que talvez o seu uso não tenha sido o mais escorreito ou salubre, assusta. O seu continuado abuso para que não se torne evidente o mau uso desse poder não corrige, antes piora. "O poder absoluto corrompe absolutamente", completou Lord Acton.
Se o cidadão se comporta desta forma, normaliza em vez de condenar socialmente, não é de admirar que o governante também o faça, com maior amplitude. É que, antes de se ser governante, é costume ser-se cidadão, perfeitamente inserido e educado pela sociedade que nos elege. Para corrigir o governante, convém corrigir o cidadão. Convém que eu me corrija. Convém que nos corrijamos. Convém que condenemos socialmente este costume.