Este ano, como a nossa amiga covid-19 ainda por cá anda tal parente indesejado que fica mais tempo do que era previsto e é difícil planear qualquer viagem que seja - de cada vez que penso 'é desta', o bicho lança-nos mais uma variante tipo carta reversa do Uno -, atrasei até ao final de agosto este tão difícil jogo de tetris que é marcar viagem para a Festa. Atrasei e agora vejo-me na possibilidade de ir de peregrinação para Lisboa e contratar um pescador com um barquito no Cais do Sodré para me levar do continente para a ilha.
Isto para dizer o que toda a gente sabe de cor e salteado: mais uma quadra natalícia a pensar como é que uma viagem à Madeira fica mais cara do que uma viagem a Nova Iorque? São neste momento 10h01, dia 07/09/2021. Uma viagem a Nova Iorque com partida de Bruxelas no dia 23 de dezembro e regresso no dia 2 de janeiro, fica a 375€. Por outro lado, a Madeira custar-me-á a módica quantia de 675€. 'Ah, mas és emigrante, podes pagar isso...' Meus amigos, o problema não é Bruxelas-Lisboa (que nesses dias custa 146€). É Lisboa-Madeira (vou mesmo precisar do barquinho).
A minha pena vai para os estudantes madeirenses no continente. Já fui uma e sei bem o que custa. Tinha de faltar a exames para poder ir viajar mais cedo, para que o voo fosse mais baratito. Era uma constante balança entre o saber e o comer (saber = educação; comer = porque a sandes de carne vinha d'alhos da minha mãe pesa bastante nas minhas decisões).
Brincadeiras à parte, uma breve pesquisa mostra-nos que fica mais barato viajar, nas datas referidas, para as regiões ultraperiféricas de Guadalupe e Martinique, situadas no Caribe do que para a Madeira. Em linha recta, e eu fiz essa simulação para todas as RUP, a Madeira é a que está mais perto da capital europeia (cerca de 2655km). O facto de custar só mais 109 euros (779€) para viajar para a Guyana Francesa, que fica a 7389km de Bruxelas, diz-nos que há algo de muito errado.
As regiões ultraperiféricas têm um potencial único e bens distintivos que podem beneficiar a UE como um todo. Fornecem uma presença europeia em áreas estratégicas do mundo e têm características excepcionais que as tornam excelentes laboratórios de investigação e inovação em biodiversidade, ecossistemas terrestres e marinhos, energias renováveis, farmacologia e ciências espaciais.
O artigo 349 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) reconhece que as Regiões Ultraperiféricas diferem do resto da UE de várias formas que limitam o seu desenvolvimento económico e social, como por exemplo, o seu afastamento. A Comissão Europeia (CE) precisa de definir uma nova orientação estratégica a favor das RUP (a última foi em 2017). É de louvar que a CE tenha consagrado as especificidades das RUP em 21 propostas para futuros programas da UE num vasto leque de políticas, incluindo as políticas de coesão, investigação, agricultura e pescas. Mas é difícil sentir-se Europeu quando fica tão difícil meter um pé no continente... Ou tão caro deixá-lo para passar a Festa em família.
É preciso aproximar a Europa das RUP. A mobilidade entre as RUP e o continente europeu, independentemente da altura do ano, não pode ser só para os ricos.