Durante anos o partido socialista, e muita comunicação social, tentaram condicionar o PSD, e a direita democrática, com o fantasma do CHEGA. Essa tática, não apenas insuflou a presença mediática do partido de André Ventura, permitindo-lhe tornar-se num fenómeno em que o espaço público que ocupava era muitíssimo superior à sua então valia nas urnas, como contribuiu, com culpas próprias acrescente-se, a uma redução do apoio popular para o PSD. Esta estratégia encontrou a sua tempestade perfeita em Rui Rio, quando o ex-presidente social-democrata, numa estratégia errante, por um lado estigmatizava as correntes menos centristas dentro do partido e, por outro, no exterior, mantinha a porta aberta a entendimentos com a direita radical. Ou seja, para dentro era de centro-esquerda, para fora admitia estender a mão à extrema-direita.
Nessa altura, quando ao arrepio de toda a reconfiguração da representatividade política e partidária nacional, o PS consegue uma maioria absoluta, e o PSD começa a ser ameaçado pelo CHEGA como líder do espaço ideológico da direita, não me lembro de ouvir clamores de um pacto de regime que defendesse o bipartidarismo rotativista e a manutenção das forças do centro como sustentáculo da III República (que o são, acrescente-se).
Mas, agora, tudo mudou.
Anulando a permanente chantagem, a declaração que “ Não é Não!” parece ter virado a mesa do jogo governativo.
Começou com Bolieiro, ao recusar conversas com PS (evitando ser acusado de pugnar pelo “bloco central dos interesses”) e com CHEGA. A batata quente ficou para os dois partidos. No outro arquipélago, o PS antecipou -se, a reboque da tendência de Francisco César, o Herdeiro, anunciando uma rejeição do programa do governo, e atirando para o CHEGA o ónus da queda do Governo. Aqui, o problema, é que essa putativa queda, e a marcação de novas Regionais açorianas, resultaria, certamente, num reforço da votação dos partidos do governo, com a almejada maioria absoluta. CHEGA clama pelo entendimento, mas está amarrado. Ou viabiliza o novo executivo de Bolieiro, mesmo sem conversas, ou PSD/CDS/PPM tem maioria absoluta, em próximo sufrágio.
Na República é mais complexo. O “ Não é não”, que fora exigido pelas forças de esquerda, e uma vez cumprido por Montenegro, obriga o PS a algo mais do que a tão ambicionada, e confortável, oposição, face a um futuro governo sustentado “pelas peles”. Se CHEGA não viabilizar um futuro Orçamento, e penso que o teste deveria mesmo ser feito através de um rectificativo, e viabilizar implicará votar a favor, impende sobre o PS o ónus do boicote governativo. Quer queira, quer não queira, será acusado de uma “coligação negativa”, inibidora do normal funcionamento da ação executiva. Daí que se observem em muitos comentadores de esquerda, a ser “rasgadas as vestes”, clamando que o PS não pode ser colocado nessa posição. Que o sistema democrático só aguenta se for dada a oportunidade do PS ser o tipo de oposição que gosta: criticar, não concertar, não negociar. Levantam-se mesmo os cenários do PSD/AD tornar-se o partido charneira, que vai jogando entre o PS e o CHEGA, sendo inevitável a sua eternização no poder. No fundo o que o PS tentou nos últimos 10 anos, quando ainda havia esquerda pujante à sua esquerda, e quando o CHEGA ainda não tinha subido à “classe PRD”. O fiel da balança ideológica deslocou -se, e é o PSD que surge agora no centro da reta política. Parecendo frágil, é Montenegro que tem a faca e o queijo na mão, na situação mais caótica e disfuncional desde os governos do bloco central. Tudo porque houve a coragem e determinação de apontar um rumo, não dele se desviando por pressões internas ou externas.
A estabilidade política só é alcançável com solidez nas posições.
O PSD arrisca -se a concentrar os votos à esquerda do CHEGA como tampão da ascensão do partido de Ventura ao poder, um pouco como acontece em França com Macron, quer pela leviandade do PS, mas essencialmente pela firmeza de Montenegro.
Tiago Miguel Freitas escreve à sexta-feira, de 4 em 4 semanas.