Em menos de 48 horas quase caiu por terra a narrativa sobre a solidez da coligação PSD/CDS com apoio parlamentar PAN. A ideia de que a Madeira era um baluarte de estabilidade governativa, única no país estremeceu. Depois da demissão de António Costa e a marcação de eleições legislativas antecipadas e depois da queda do governo de José Bolieiro nos Açores, é tempo de avaliar a robustez do acordo parlamentar PSD com o PAN na Madeira – cujo conteúdo o PSD aprovou internamente sem nunca ter lido – perante o tumulto de contornos judiciais que assolou a cúpula do PSD-Madeira.
O PAN apresentou duas opções ao PSD-Madeira: ou o PSD mantinha a sua liderança e o PAN retirava o apoio parlamentar à coligação na próxima Moção de Censura, ou o PSD apresentava um novo chefe de governo, o que manteria o PAN no barco da “estabilidade governativa”. É a contabilidade democrática a funcionar, um episódio de estratégia política de David e Golias.
Mas a política é mais que a mera soma aritmética de mandatos parlamentares (ou mesmo de mandados de detenção). É, fundamentalmente, a soma da legitimidade democrática dos agentes políticos. Lembremo-nos que, quando confrontado no Conselho de Estado sobre a realização (ou não) de eleições antecipadas, o Presidente da República, perante um empate entre os Conselheiros (onde curiosamente faltou o voto de Miguel Albuquerque que se encontrava nas Ilhas Canárias), decidiu que substituir Costa por outro governante do PS seria ferir a legitimidade do resultado eleitoral, principalmente porque tinha havido um “voto personalizado” em António Costa e não somente no Partido Socialista. Recordemos também que esta decisão mereceu, à posteriori, a concordância pública do Presidente do Governo Regional.
Convém notar que o eleitorado se encontra cada vez mais sensível à aplicação de dois pesos e duas medidas para casos semelhantes, o que implica uma maior necessidade de ser coerente na política.
Basta olhar para experiências de governos de transição ou de iniciativa presidencial na Europa, para percebermos a decisão do Presidente Marcelo. Boris Johnson foi eliminado pelo seu grupo parlamentar para ser substituído, primeiro por Liz Truss e depois por Rishi Sunak, contribuindo para um aumento da popularidade dos Trabalhistas, que sonham agora com uma land slide victory. Em 2021 Mario Draghi foi colocado à frente do governo italiano enquanto senador técnico para sanar a democracia e economia italiana, só para ser substituído pela vitória da extrema-direita de Georgia Meloni através do voto popular subsequente. Os partidos tradicionais que vêm no adiar de eleições uma possibilidade de ganhar tempo para se reorganizarem e robustecerem, esquecem-se que o tempo é igual para todos: a extrema-direita pode também ganhar ainda mais momentum e apoio junto da população. Verdadeiros democratas nunca podem recear atos eleitorais.
Se as últimas 48 horas provaram mudar profundamente o panorama político regional, as próximas 48 horas ainda mais alterações trarão, demonstrando que a democracia não é imóvel e estanque na nossa região, apesar do que no passado se poderia pensar. Esconder os problemas debaixo do tapete só os acumula, dando-lhes ainda maior dimensão.