Vou regressar. Vou deixar a Alemanha dos hospitais sem normalização de entupimentos nas urgências e das auto-estradas sem limite de velocidade nem portagens, mas constantemente condicionadas. Vou deixar para trás os serviços públicos que funcionam com a precisão de um relógio suíço, mas cuja engrenagem burocrática (vastamente testada e refinada) emperra se algum pormenor cai fora do predeterminado. Vou-me embora, sete anos depois, deste país cheio de vantagens e carregado de defeitos. É a vida: nada é perfeito. Vou regressar à minha Ilha, 27 anos depois, e ainda não me decidi se o momento é o correcto, se apenas e só uma prova de loucura.
Vou voltar, por um lado, para o sol, para o mar, para as montanhas de precipício e nevoeiro, para a fruta com sabor e para a família. Por outro lado, vou voltar para um país cujo processo democrático parece estar a demonstrar que, apesar de ter caído há 50 anos, o Estado Novo não saiu da população; esta parece gravitar sempre em volta do paizinho-que-está-no-Estado, do Homem Providencial que faz acontecer, que nos diz como viver a nossa vida e nos “liberta” de ter de fazer escolhas difíceis, infantilizando os seus súbditos (há dois, um à esquerda, outro à direita, que o declaram abertamente). “Pronto; ele é um bocado autoritário, mas faz acontecer” (eu lembro-me de cair nessa quando era... um imberbe adolescente ainda a viver na Ilha).
Vou voltar para um país onde uma força policial que, há dois ou três meses, alegava não ter sido chamada para umas buscas a certos altos quadros da nação por falta de meios, lá arranjou meios para enviar uma Companhia inteira para o sol madeirense. Sol esse que, de tão convidativo, também atraiu uma horda de jornalistas que, talvez por artes divinatórias, talvez por conveniente sorte, chegaram a tempo de preparar as câmaras para documentar e publicitar a grande operação. Há mais umas quantas coincidências neste rocambolesco caso que tornam a coisa interessante — mas que são apenas coincidências, estou certo —, desde subsídios exclusivos, à precisão na escolha do dia, mas que não são o tema desta missiva.
A verdade é que volto para a minha Ilha, onde a probabilidade de me ver confrontado com um Regime de partido único a nível nacional, na prática, é alta. Volto para uma região autónoma cujo governo poderá ser, dentro em pouco, liderado por alguém que preferiu declarar-se incompetente para gerir uma Câmara Municipal (não sabe de nada, não se lembra de nada; se calhar nem era ele o Presidente...!) a assumir responsabilidades numa tragédia. Terá competência, então, para um governo regional? Ele acha que sim — até precisar de não ter.
Mas o que importa, a mim e à minha família, é que vou voltar. Vou voltar ao sítio de onde saí ainda adolescente, onde não sei ser senão adolescente, tendo já quase meio século de vida. Vou voltar diferente, para uma terra diferente onde muita coisa me é, ainda e sempre, familiar. Onde é que me vou encaixar? Como? Não sei (nem há 27 anos sabia), mas vai ser uma aventura descobrir.