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Artigo de Opinião

21/05/2022 08:01

O pai era filho de agricultores de uma aldeia da região centro. Em meados da década de 60, com 16 ou 17 anos, foi com o irmão, um ano mais velho para França e três anos depois para a Alemanha. Por cá futuro não era muito promissor para filhos de agricultores com poucas terras e menos estudos e o Ultramar clamava por cada vez mais jovens que pagavam, em anos de vida, o custo do Império que teimávamos em querer manter, "orgulhosamente sós".

Foi em Hamburgo que os pais do Jorge se conheceram. A mãe era filha de emigrantes, originários da mesma aldeia do Jorge. Entre a fábrica, os bailes e os piqueniques de domingo, casaram e pouparam o suficiente para construir a primeira casa da aldeia de telhado preto, um pouco mais alto do que o necessário numa terra onde não neva e para trazer um carro grande com pintura metalizada. Com esforço, amealharam o suficiente para regressar no final da década de 80, com um pequeno pé-de-meia e a vontade de que os filhos tivessem direito a sonhar mais alto.

O Jorge veio viver para Portugal antes dos pais e da irmã. Vivia com os avós paternos que, entretanto, se tinham mudado para a casa mais alta da aldeia, com menos regras do que a maioria dos colegas. Adaptou-se à escola, mas sofria de "Síndrome Variações": achava que estaria sempre muito melhor onde não estivesse. No verão queixava-se do calor, dizia que o frio era melhor, bastava vestir mais uma camisola. No inverno reclamava do gelo e jurava a pés juntos que a canícula era muito mais suportável. No outono dizia que o encurtar dos dias o deprimia, mas a primavera era um tormento em forma de alergia. O Jorge era assim, um eterno insatisfeito, uma daquelas pessoas do copo meio vazio.

No final do secundário o Jorge casou à pressa. Apesar de não trabalharem e de não serem propriamente ricos visitaram quase todas as casas com piscina que estavam no mercado do distrito. Nenhuma correspondia às suas expetativas. Quando começou a trabalhar com o sogro, o Jorge não estava satisfeito. Recebia mal, tinha pinta para engenheiro, mas faltava-lhe o canudo e o sogro não lhe queria dar o lugar de gerente. Isto não é a Alemanha, lá é que era bom. Ou na Suíça, onde estava o tio. Emigrou e regressou três vezes antes de se divorciar e de se mudar para sul. Na maior parte dos sítios por onde passou muita gente lhe reconheciam potencial que não desenvolvia por culpa de alguém, da falta de sorte, da oportunidade de ouro perdida, dos números do Euromilhões que batiam sempre ao lado…

Esta semana lembrei-me do Jorge.

Na ALRAM discutiu-se um pedido de inconstitucionalidade de parte do programa Regressar. Precisamente a parte do programa relativamente ao emprego e formação profissional, cuja competência está regionalizada como há tempos bem lembrou o Diretor Regional das Comunidades, Rui Abreu. É sempre mais fácil culpar outros e não custa atirar o barro à parede… Entretanto, os proponentes, sabendo da fragilidade do pedido, já foram avisando que o Tribunal Constitucional não gosta da Madeira.

No dia seguinte, no debate sobre Pobreza na Região, ouvimos verdadeiras pérolas de sabedoria, tais como a ideia de que na Madeira a falta de aquecimento nas casas não é um problema por causa do clima (provavelmente o que faz falta é apenas um xailinho ou uma écharpe), ou que devíamos agradecer o facto de, ao fim de 46 anos de maiorias absolutas, sermos a Região com maior risco de pobreza do País. Ou que se calhar devíamos louvar a aposta continuada na transferência de verbas da Segurança Social para programas assistencialistas sem o devido controlo por parte do Estado, em vez de apostarmos em programas estruturais para capacitar as pessoas para que possam auferir melhores rendimentos e em empregos qualificados de modo a erradicar bolsas de pobreza.

Mas, como diria o meu amigo Jorge, isto não é a Alemanha, nem a Suíça. É mais fácil pedir mais dinheiro para jogar para cima dos problemas.

Há tempos reencontrei-o numa rede social. Está mais gordinho e disse-me que lhe faria bem nadar. O problema é que o pai nunca fez a tal piscina na casa da aldeia e ele não se dá lá muito bem a caminhar…

*- (nome fictício para proteger os inocentes)

PS - esta quinta-feira à noite, a SIC Notícias transmitiu uma excelente reportagem sobre os 25 anos do Rendimento Social de Inserção em Portugal. Quem tiver hipótese, aproveite a função da "box" para puxar para trás e ver ou rever.

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