O que não contamos, não fazemos, ou até tentamos não sentir, por vergonha? A vergonha era algo muito sentido.
As redes enchem-se de mentiras. Uma delas é afirmar que não nos devemos importar com a opinião dos outros. Só na desvergonha é que conseguimos agir assim. Muitos sofrem com uma vergonha, que não conseguem controlar. A vergonha em assumir uma doença, pode, por exemplo, impedir o seu tratamento. É algo muito comum nas doenças mentais. Temos vergonha da família, do nosso estado civil, das nossas habilitações, do nosso trabalho, da nossa casa, do dinheiro que não temos, etc. A vergonha da pobreza (pobreza envergonhada), faz muitas famílias passarem por dificuldades, que podiam ser evitadas com respostas de apoio social. A vergonha do nosso corpo, da nossa idade, da nossa orientação sexual. A vergonha de algo que fizemos...
A vergonha pode surgir de comportamentos, pensamentos ou características percebidas como negativas ou indesejadas. É uma emoção poderosa, que pode afetar a autoestima e a maneira como uma pessoa se vê em relação aos outros.
A desvergonha, por outro lado, é a capacidade de agir ou se comportar, sem inibição ou constrangimento, em relação a normas sociais, éticas ou morais. Uma pessoa que age com desvergonha pode não se sentir culpada ou envergonhada, pelas suas ações, mesmo que outras pessoas possam considerá-las inadequadas ou impróprias. Ambos os conceitos têm implicações significativas, na vida social e emocional das pessoas. A vergonha pode ser uma emoção motivadora, para o crescimento pessoal e a auto reflexão. Por outro lado, a desvergonha pode ser vista como uma falta de consideração pelos sentimentos dos outros e pelas normas sociais.
Infelizmente, muitos confundem desvergonha com coragem. Algo que não faz sentido. É natural, evitarmos determinados comportamentos, porque alguém nos formatou/educou para o negativo desse comportamento. Obviamente, há vergonhas que têm a ver com “futilidades sociais”, mas, se as sentimos, temos de perceber porque é que elas são tão importantes para nós.
Estamos perto de um ato eleitoral, num momento político que nunca tivemos antes. Vergonhoso! Há uma descrença generalizada, em relação à moral dos políticos. Há processos judiciais. Tenho visto debates nacionais e regionais com mentiras! Até existem jornalistas que, depois dos debates, informam o que foi verdade ou falso. Para além disso, vi muito desrespeito entre candidatos. Tanta desvergonha...
O meu filho foi com a turma (12ª ano) assistir a uma sessão, na nossa Assembleia Regional. Em casa, questionou: “Vocês querem que nos portemos bem na sala de aula. No entanto, no debate, ninguém respeitou ninguém.”
Se queremos que a política represente a sociedade, então, a sociedade está “sem vergonha na cara”.
Se numa família se falar alto, mentir, acusar, cometer crimes, encobrir crimes, desrespeitar o outro, ter elementos que só pensam em si. Esta família tem o diagnóstico de família disfuncional, onde os filhos podem ter problemas mentais graves. Caminhamos para uma população doente? Descrente? A banalização da mentira será sempre o reflexo de uma sociedade muito doente.
“Chega para lá!”
Na desvergonha, não evoluímos. Saudades da frase que nos educou: “Não faças isso, vamos passar uma grande vergonha.”
Há “linhas vermelhas” na vergonha, que não existem na desvergonha. O desrespeito não quer regras.
Hoje é comigo, amanhã é contigo...
“O que não precisamos no meio das nossas batalhas é sentir vergonha de sermos humanos.” Brené Brown
“O pior da vergonha é que achamos que somos os únicos a senti-la.” Annie Ernaux