Ter uma idade sempre à medida de não deixar de sonhar, de rir com as coisas mais simples, de não desaprender o encanto com as histórias, de gostar de livros bonitos, de ainda ficar fascinada com brinquedos, com viagens, com dias à beira mar, com desenhos, com viagens de avião acima das nuvens. Esse lugar mágico onde se suspende a geografia e o tempo.
Ter uma idade assim à medida da criança que fomos, que somos, que levamos pela mão como se fosse possível mantê-la intacta, preservada, disponível para todos os salvamentos, os possíveis e os impossíveis.
Ser ainda capaz de me sentar de pernas cruzadas rente ao chão e imaginar um futuro, uma história, um sonho de trazer pela mão como se o tempo fosse uma espécie de plasticina moldável.
Acreditar que as estações são sempre aquelas a que queremos chegar, independentemente do seu tempo certo no calendário. Ter um verão dentro de um inverno e um outono dentro da primavera.
Ser assim tal como as estações de comboios, poder escolher o destino pelo coração e chegar sempre à estação certa, onde nos aguarda um sorriso e um abraço. Aquele abraço que, de repente, parece que esteve uma vida inteira à nossa espera, à espera daquele exato momento de chegarmos em qualquer idade, mas a tempo de nos levarem de volta a casa pela primeira vez e, ainda assim, soar a regresso a um lugar sempre nosso.
Entrar pelos livros como se fossem casa, como se fossem a pertença de toda uma vida. Mesmo que depois tudo se desmorone como um castelo de nuvens ou uma batalha sem vitórias e festa de conquista.
E, ainda assim, saber que se pode regressar à tona e voltar a respirar, tal e qual os mergulhos da infância na água salgada, com os olhos a arder e a boca cheia de um sal impossível de esquecer. Um sal que tirávamos com o gosto de um gelado que trazia uma alegria ao centro do corpo, como se tudo se transformasse num parque de diversões e no susto de uma alegria imensa de montanha russa.
Saber que as marcas que nos ficam, por dentro e por fora, são afinal um mapa para nos encontrarmos e sabermos sempre regressar ao mais verdadeiro que existe em nós, e que é o lugar perene de uma pertença ancestral e certa.
No fundo, nunca saímos dessa primeira vez em que nos reconhecemos ao espelho, e nos encontramos na forma exata que vamos transportar pelo tempo por vir.