Um desses contributos literários, intitulado Uma vida luso-francesa, deu à estampa no final do ano passado e tem o cunho de Margarida Poças Serrano, educadora especial que trabalhou em França com refugiados e jovens com deficiência.
Natural de Reguengo do Fetal, Batalha, Margarida Poças Serrano emigrou para França, nomeadamente para Saint-Maur des Fossés, uma comuna a sudeste de Paris, em 1966, ainda criança, na companhia da mãe e de outras duas irmãs, ao encontro do pai e da irmã mais velha que tinham partido para o território gaulês três anos antes.
Formada em educação especial, uma educação organizada para atender específica e exclusivamente alunos com determinadas necessidades especiais, já depois de casada e do nascimento dos três filhos, a autora batalhense assina nesta obra, que tem a chancela da Chiado Books, um romance social inspirado livre¬mente na trajetória de filha de emigrantes que partiram nos anos 60 em demanda de melhores condições de vida, na esteira da larga maioria da população que durante a ditadura portuguesa vivia na pobreza.
O livro aborda também, e sobretudo, a luta de uma menina para escapar ao destino que o seu pai lhe tinha traçado, mormente de mulher submissa ao chefe de família, e aos homens em geral. Rompendo assim com o ideal feminino preconizado na ditadura de Salazar, que advogava que a mulher existia para ser mãe, esposa e dona-de-casa, e desde cedo era educada para ser submissa ao poder patriarcal do pai, do irmão e, mais tarde, do marido.
A obra é igualmente um testemunho pessoal da importância dos livros enquanto instrumento insubstituíveis para a formação, como foi o caso paradigmático de Margarida Poças Serrano, cuja trajetória e trabalho literário relembra a máxima de Gabriel García Márquez: "A vida de uma pessoa não é o que lhe acontece, mas aquilo que recorda e a maneira como o recorda".