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Artigo de Opinião

7/11/2023 08:00

O pecado desses potenciais habitantes do Inferno é o despotismo. Um bom exemplo disso é algo que tem ganhado força em Portugal nestes últimos tempos.

A coberto das boas intenções, impõe-se a salvação do Mundo a toda a gente, nem que seja à porrada. Não falo da salvação que se propala dos púlpitos eclesiásticos, mas da salvação física do Mundo, como se o Mundo se importasse com o que estas partículas num pedaço de pó, na órbita de um pedaço de pó maior que dá luz, fazem ou pensam. Para lá deste exagero com que muitos pintam a causa, passamos, afinal, à salvação da Terra. O planeta, esse pedaço de rocha que, mesmo que rebentassem todas as bombas atómicas hoje existentes, continuaria a existir no vazio quase absoluto do espaço interplanetário, à espera que a expansão do Sol o engula.

Vamos salvar, então, a vida. Vida que, desde que uma série de golpes de sorte físico-químicos geraram as primeiras cápsulas a que se pode chamar de células vivas, já passou por numerosos eventos cataclísmicos, quatro ou cinco dos quais extinguiram mais de 50% da vida na Terra — um deles mais de 90% —, persiste teimosamente na sua continuação. Estamos, então, a falar de salvar a vida como a conhecemos, mais especificamente a nossa espécie e o seu conforto, como se a evolução da vida fosse um processo pacífico e estacionário — longe disso, muito longe.

Da soberba da defesa do Mundo e da Vida, ao conservadorismo antropocêntrico, hoje diz-se que vem aí mais um evento de extinção em massa, desta vez provocado pela espécie que afinal se quer salvar.

Apenas por curiosidade, uma das mais importantes alterações ambientais na atmosfera terrestre, sem a qual não seriam possíveis a grande maioria das espécies actuais, incluindo a nossa, foi causada por um grupo de seres vivos e foi cataclísmica para todos os seres vivos que dependiam da atmosfera anterior. Os responsáveis foram os organismos fotossintéticos.

Não vou discutir se a afirmação de que a extinção está aí é factual, se a causa é bem ou mal apontada, ou se o acusado é culpado, inocente ou assim-assim. Nem é, sequer, essa a questão que aqui ponho. O que aqui me move é o movimento de salvação da solução única forçada aos demais.

Pretendem, estes paladinos do Caminho Único, arautos do Cataclismo Final, que os outros se rendam ao medo (terror!) que apregoam e obedeçam, porque não só os factos são o que eles dizem que são (ai de quem fizer perguntas chatas, sequer!), como a solução é só uma e é a deles. Se for preciso fazer a Humanidade mergulhar na miséria, seja!

Ora bem: aceitando a premissa de que vem aí uma alteração ambiental potencialmente cataclísmica, penso que a inteligência e superior destreza adaptativa da espécie humana seria mais útil a discutir formas de nos adaptarmos às potenciais alterações. A vida encontra sempre um caminho e nós, tão humanos, não somos deuses.

Bem sei que o medo é uma arma e a frustração uma desculpa (esfarrapada), mas convém manter o foco no que é possível, em vez do ideal. As boas intenções não implicam soluções óptimas ou sequer únicas. Uma ideia que tem de ser imposta à cacetada talvez só seja boa na cabeça do dono do cacetete.

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