A mãe intervém: «Já acabou o curso e o mestrado, com 17!, veja, com 17!, até fez um estágio de 6 meses… Gostavam muito dele lá no trabalho, chegava sempre a horas e saía por último, que o mundo do trabalho não está para mandriões… que ele é assim, como nós, cumpridor e trabalhador. Só assim é que conseguimos pagar-lhe os estudos, que nunca teve bolsa, não é?, com sacrifícios mas sem nunca faltar nada. Não ganhava, mas pagavam-lhe o subsídio da alimentação e um colega dava-lhe boleia. Mas era um estágio, não ficou, é pena. É que ele vai para mais de um ano que não se tira de casa e com quase 30 anos quando é que vai fazer vida? Mas já se sabe, isto agora não é como antigamente, que em acabando havia logo um lugarzinho no governo ou na câmara… Nós continuamos com o nome lá, sabe, sempre fomos, ainda agora há tempo recebemos a mensagem para ir votar naquele que lá está, esquece-me o nome agora. Mas nós fomos, e ele também, já se sabe, que isto é para continuar, é mesmo de família, não é? O senhor, por acaso, não sabe de nada lá para os lados do seu serviço, sabe?». O homem lança um olhar rápido para o relógio, faz uma careta arregalada, como que surpreendido pelas horas e inicia as manobras de despedida «Pois é, pois é, isto já não é o que era… A sobrinha de minha mulher também esteve assim uma temporada, mas acabou para ir para junto duma outra prima em Inglaterra. Está muito bem, nem fala em voltar. Eu também tenho de ir andando, e se souber dalguma coisa, aviso, mas o seu rapaz está bem e filho de boa gente, há de conseguir alguma coisa, é preciso é não desistir, procurar caminho e não desistir.» E no meio de um «Muito gosto e cumprimentos ao marido» arrancou apressado enquanto, mãe e filho seguiam noutra direção.
Fiquei a pensar naquele rapaz de casaco e sorriso amarelo e na sua mãe, com uma história tão parecida com a de tantas outras famílias madeirenses. Gente que não faz parte daquele sexto da população que vive no vermelho da pobreza ou do risco permanente de lá cair, mas que também não faz parte daqueles 5% que vive desafogadamente, no verde.
Falo dos três quintos da população que vive no amarelo, de salário em salário. Gente cuja principal preocupação não será a próxima refeição, mas que ao mesmo tempo não se pode dar a grandes extravagâncias. Gente que não é elegível para ter habitação social porque ganha demais, mas que se calhar não ganha o suficiente ou não tem a estabilidade laboral necessária para comprar uma casa nova neste momento.
A viver no amarelo está, neste momento, a maioria das pessoas abaixo dos 30 anos, ainda que muito mais qualificadas do que a geração dos seus pais. Os empregos para gente recém-licenciada não abundam e os que há são relativamente mal pagos para a formação exigida e precários. No país, 62% dos jovens empregados têm um vínculo não permanente, mais 50% do que antes da troika. Ao contrário do que defendem alguns liberais que defendem que, em teoria, um mercado de trabalho mais flexível promove melhores remunerações, a realidade diz que nesses empregos se recebe, em média, menos 40% do em empregos com vínculo permanente.
Na Madeira, em termos de imobiliário, à subida a que temos assistido fruto de algum investimento estrangeiro, nomeadamente dos vistos Gold, junta-se a inflação dos materiais, em boa parte decorrente da guerra (ouço histórias de orçamentos com validade de cinco dias e menos). Pior, a componente do PRR destinada à habitação, e a opção do Governo de não construir novas casas para esse efeito, que se traduziria em mais oferta, controlando os preços, preferindo ir ao mercado comprar casas existentes, inflacionando os preços. Paradoxalmente, esta estratégia para a habitação deixa mais madeirenses sem poder ter casa própria e aumenta as necessidades de habitação subsidiada em vez de as satisfazer.
Não espanta, por isso, que haja 9 mil jovens que não estudem nem trabalhem ou que 17 mil jovens madeirenses tenham procurado noutras paragens as oportunidades que cá não encontraram, onde criarão riqueza e constituirão família.
Partem, fartos de viver no amarelo.