Alberto João Jardim acusa o primeiro-ministro de “estar a querer destruir a Zona Franca para beneficiar estados estrangeiros” e pergunta se o Ministério Público não está a ver. Nesta entrevista, Jardim assume ainda que “não ligava patavina” ao PSD-M.
Por Agostinho Silva e Alberto Pita
Será que ao longo dos seus 37 anos de governação não usou o contencioso como manobra para distrair e avançar noutras áreas?
Você sabe que eu tenho um horror à política partidária. Eu ligava tanto ao partido que se vocês forem ver o que foi a minha atuação no PSD de cá, depois de criado o período da fundação, obviamente, a minha grande preocupação era a governação.
Fora de campanhas eleitorais, eu dava por mês duas ou três horas ao partido, que era a reunião mensal da Comissão Política. De resto, não punha lá os pés. Tudo o que era a parte administrativa, organizacional, financeira, pessoal, do partido, isso era tudo com o secretário-geral Jaime Ramos com quem, devo dizer, me dei lindamente. E ele aí nunca interveio nas decisões políticas, como eu nunca intervim nas decisões administrativas do partido.
Mas eu não sou um homem de partido. E foi por isso mesmo que quando cheguei a 2012 eu fiquei estarrecido. Não ligava meia a aquilo, com o que estava lá escrito, que tinha havido inscrições e quotas pagas e baralhadas e que os inimigos da autonomia tinham percebido uma coisa que eu tinha dito e só alguns dentro do PSD não perceberam.
Eu disse sempre: isto só quebra por dentro. Porquê? Porque a autonomia é um movimento de massas e tem de ter um partido motor. Se o motor gripa, perde-se força na luta pela autonomia, que foi o que sucedeu nos últimos anos. O motor gripou. A maçonaria e os interesses financeiros perceberam o que alguns dentro do PSD não perceberam. Em 2012 é que eu me apercebo que há ali qualquer coisa. Por exemplo, houve umas eleições internas a que eu não liguei meia. Quando dou por mim, tinha ganhado apenas por 4,5% ou 5,5% dos votos. E comecei a ver votar, em coisas internas do partido, tipos que eu tinha toda a informação na minha freguesia que eram do PS ou do PCP. Eu cheguei a perguntar ao presidente da Comissão Política de Santa Luzia o que eles faziam ali e ele disse-me que estavam inscritos. Repare, o que era a força fundamental foi afetada.
Culpa minha também porque não ligava patavina ao partido. Aquilo para mim era um instrumento e, felizmente, que agora as coisas começam a recompor-se. O momento pior foi entre 2012 e 2017.
Foi a primeira vez na história que ouvi alguém ganhar com maioria absoluta e a seguir quererem mandá-lo embora. E quem queria mandar embora? Cá está o meu pecado. Como eu não era homem de partido, eu tanto ia buscar para governos e funções importantes gente de fora do partido como de dentro. Havia muita gente que protestava.
Depois de, em 2017, se perceber que isto estava a dar para o torto, o partido já esteve muito bem nas eleições regionais. Não conseguiu uma maioria absoluta, mas teve muito bem. Face ao estado em que estava em 2017, foi excelente ter-se mantido no governo em 2019.
Essa fórmula protagonizada por si, que tinha a área política e um secretário-geral com aquela truculência, resultou num determinado período, mas acha que era viável nos dias de hoje?
Os tempos são todos difíceis e eu hoje não sou político, muito menos sou homem de partido. Sou um cidadão que com o apoio do Instituto Autonomia e Desenvolvimento da Madeira e de quem lá trabalha vamos fazendo umas coisas, preparando uns documentos que nos pedem, mas não estamos suficientemente dentro dos assuntos para poder julgar quer a administração governamental, quer a administração partidária.
Acha que esta coligação tem força e capacidade par
a o que vem aí, pós-covid?
Acho que sim.
Está surpreendido com o resultado desta coligação?
Eu tive já a ocasião de dizer que, para mim, a coligação é uma grata surpresa.
Eu sou pela coligação, mas eu costumo dizer que nestas coisas tem de haver quem manda.
Quando deve haver uma coligação para fundamentalmente segurar o governo - porque o governo, doa a quem doer, é mais importante do que as autarquias - faz-me uma certa impressão que hoje se brigue na paróquia X e se diga asneiras na paróquia Y.
Queria dizer hoje uma coisa e se alguém ficar ofendido, ficou. Se, no meu tempo, alguém se atrevesse a chegar ao meu pé e dissesse que isto ou é assim ou eu vou para outro partido, eu dizia ‘ponha-se já no olho da rua’. A democracia não é a anarquia. É uma organização.
Mas nota essa indisciplina na coligação ou dentro do PSD-M?
Dentro do PSD.
Nunca houve uma comparação com o regime autonómico de Canárias. Não tinha nada lá…?
A realidade de Canárias é completamente diferente. As Canárias estavam muito avançadas, e uma das maiores alegrias que tive na minha vida de governo foi ler nos jornais os canários dizerem que queriam coisas que a Madeira já tinha. Nós ultrapassámos as Canárias no PIB, no emprego e até em posições dentro das estruturas da União Europeia.
Como é que a autonomia da Madeira pode assegurar um futuro melhor e ficar mais bem preparada para eventualidades como a que estamos a passar?
Estará no dia em que puder tomar decisões nas matérias que não estão regionalizadas; no dia em que o Estado assumir as responsabilidades que tem na Madeira; no dia em que nós tivermos um certo enquadramento dentro do Estado português em que todos têm confiança uns nos outros; quando a dívida pública estiver resolvida; quando o Estado disser que a Madeira tem direito a determinados fundos europeus e estar pronto a ajudar no aproveitamento desses fundos; e quando o nosso CINM não tiver o antagonismo do próprio governo português, porque isto é muito grave. Isto em qualquer país era criminoso.
O primeiro-ministro estar a querer destruir uma zona franca para beneficiar estados estrangeiros. Isto é muito grave. O Ministério Público não vê isto? É a pergunta que lanço aqui publicamente
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A enciclopédia Wikipédia diz que fez 4.850 inaugurações, o que dá uma média de uma inauguração a cada 2,7 dias. Vê alguém com capacidade para atingir estes valores no atual panorama político regional?
Eram tempos diferentes. Eu não vou exigir ao Dr. Miguel Albuquerque esse nível de inaugurações, porque senão teria de fazer obras que já estão feitas. Por isso que eu digo que a política é aproveitar as oportunidades. As minhas oportunidades eram umas, as dele são outras e quem vier a seguir terá diferentes.