O sacudir a água do capote em relação à crescente violência no Funchal e na Região culpando o Ministério da Administração Interna é disso exemplo. Temos uma estrutura que nos dá autonomia, que é sustentada política e financeiramente de forma a agir a nível local e regional, e usamo-la para gritar ao escândalo, lamentando-nos de abandono quando somos nós os responsáveis por estar atentos à conjuntura e resolver a situação que, afinal, criámos.
Na última crónica que escrevi para este jornal mencionava o facto de a violência estar de forma visível, e dolorosa, a aumentar na nossa cidade e que o éden de segurança se poderia transformar rapidamente no lugar em que o inferno anda à solta. Não me vou repetir.
Vou voltar à questão da cidade e de como se trairmos as expectativas de visão de futuro das pessoas para o local onde vivem e criam esperanças, acabamos por votar a sociedade ao declínio, à perda de população, ao desespero e, em último lugar, à violência, sintoma de que o corpo social está a padecer de males maiores. E que maleitas são essas? O perigo da autorreferencialidade, sem capacidade de se colocar em comparação e achando que a solução é sempre a mesma, o inverno demográfico e a falta de novas políticas sociais que sustentem a possibilidade de reverter a situação, a perda de inovação e do espírito de juventude, a deslocação para outros territórios, nacionais e internacionais, dos jovens com competências para construir a nova cidade e região e a não regeneração do conceito de habitar para trazer qualidade ao viver urbano.
Podemos juntar a este retrato dos males que traem as expectativas a não aposta no transporte intermodal à medida da cidade, a tendência inversa ao resto da Europa de encher de betão os espaços disponíveis em vez de apostar no espaço verde como centro da planificação (muitas cidades da Alemanha só estão a deixar construir quando pelo menos a 300 metros da habitação exista um espaço verde do mesmo tamanho do espaço construído; Pádua plantou em dois anos 10.000 árvores) e a insensibilidade em relação aos dados de uma população envelhecida e pobre, a que apresenta maior risco de pobreza em todo o território nacional.
Não é ao MAI que compete criar políticas para mitigar ou inverter a curto e médio prazo os desequilíbrios. Se as tendências são claras, as respostas não existem. Pelo menos as que têm uma visão de conjunto. Como responder à vontade dos jovens de perseguir os seus próprios projetos de vida, de autonomia e sucesso? Como não trair as expectativas das famílias, grande parte da classe média, que vivem focadas na defesa do risco de empobrecimento e não fazem escolhas virtuosas que permitam melhorar a sua condição e ajudem a Região a entrar num caminho de desenvolvimento? As políticas são transformadoras quando consentem contrastar a pobreza, criar e sustentar o crescimento económico e fazer funcionar as políticas de saúde (entre as quais as mentais, ligadas a problemas de consumo de drogas sintéticas - do qual a Região é campeã, e na lógica de alguns políticos regionais, se calhar, a culpa é do Ministério da Saúde).
Trair as expectativas é não apostar na cidade como unidade política estratégica para repensar e transformar a Região, com agilidade necessária para realizar grandes reformas, ligadas a objetivos e projetos concretos que tenham impacto tangível. Trair a cidade é não querer ver e assumir o seu papel de sujeito atuante e procurar nos outros as culpas próprias.