Contudo, foram dois os episódios passados em viagens da TAP que me saltam mais à lembrança. O primeiro, teve lugar numa viagem entre o Funchal e Lisboa. No momento de fazer o check-in, a funcionária da TAP constata que estava em situação de overbooking (não tinham lugar disponível no avião) e que o próximo avião com disponibilidade, partia em 4 horas. Em compensação pelo sucedido, ofereceram-me de forma amável, um lugar na parte executiva.
Após a longa espera, e respeitando as prioridades que subitamente tinha direito ao viajar em executiva, entrei no avião primeiro que todos os passageiros e confortavelmente sentei-me na primeira fila. Reparei que sentado também na área executiva estava o Secretário de Estado do Turismo, do então governo socialista. Quando começaram a entrar os restantes passageiros para a área económica, um simpático casal de meia idade, cumprimentou alegremente o referido Secretário de Estado, que retribui-o o cumprimento com igual grau de satisfação. Feito o embarque de todos os passageiros e quando o avião já seguia rumo a Lisboa, reparei que o Secretário de Estado chamou a hospedeira de bordo, que prontamente se dirigiu a este. Após uma breve conversa a hospedeira dirige-se à área económica do avião e reaparece com o dito simpático casal e acomoda-os na área executiva. O casal feliz e sorridente pelo upgrade que subitamente tiveram, faz um agradecimento discreto ao Secretário de Estado, que responde com aceno de cabeça, como que aceitando o agradecimento. A hospedeira feliz por ter cumprido com o pedido do homem do Estado, troca sorrisos cúmplices com este, que agradece com o olhar. Fiquei chocada com o que tinha presenciado. Ali estava um membro do Governo da República, a usar do poder e influência que exercia, para favorecer os seus amigos, como se estivesse a viajar no seu avião privado, quando na verdade viajava num avião da TAP, instituição esta que recorre numa base regular aos apoios infindáveis dos impostos pagos pelos contribuintes, para sobreviver. Fiquei chocada com a prontidão da hospedeira em tomar parte deste ato de abuso do poder que exerciam. Se esta situação tivesse tido lugar num país da Europa organizada, numa Alemanha ou numa Holanda, por exemplo, a própria hospedeira denunciaria o sucedido e o referido Secretário de Estado seria chamado à responsabilidade pela má conduta exercida e péssimo exemplo demonstrado.
O segundo episódio teve lugar numa viagem entre o Porto e Lisboa. Estava eu acomodada no meu lugar na área económica, com todos os passageiros já dentro do avião, quando reparei que entravam mais dois passageiros que prontamente apareceram na porta do avião e seguiram rumo à área económica em busca dos seus lugares. Na frente vinha um homem vestido com um fato escuro, sem mala, com uma estrutura robusta, porte atlético e olhar muito atento ao seu redor. Atrás vinha um homem que seguia o primeiro, igualmente vestido de fato escuro, de olhar baixo e atento aos papéis que trazia - era ele o então Primeiro Ministro de Portugal do então governo social democrata, que na altura geria um Portugal financeiramente muito fragilizado. Este Chefe do Governo, podia estar a viajar em área executiva, como lhe era de direito na verdade, mas preferiu mostrar o seu respeito aos pagadores de impostos que viajavam com ele naquele avião e viajava na área económica.
Não quero aqui jogar com as cores políticas para enaltecer a importância que nós, pagadores de impostos em Portugal, devemos ter perante a gestão dos impostos que pagamos. Para onde vai o dinheiro que pagamos em impostos? – essa é uma resposta que deveremos estar mais atentos. Temos que ter a confiança nos nossos governantes, para uma gestão cuidada e transparente do dinheiro angariado através dos impostos que pagamos. Temos que exigir condutas de respeito, temos que ser mais participativos nas escolhas dos nossos governantes, quer exercendo o nosso direito de voto mais assiduamente, quer tomando parte em partidos políticos e assim escolher as pessoas certas que irão governar os nossos impostos e o país. A voz dos impostos que pagamos somos nós e temos que fazer ouvi-la.