Imaginemos que tenho apenas 10 euros no bolso e tenho as meias espalhadas pelo quarto, sem gaveta própria. Vejo uma mesinha-de-cabeceira numa loja de pechinchas, de uma gaveta apenas, a 20 euros. O banco empresta-me 15 euros para pagar em 3 meses, a 5 euros por mês, e eu fico com 5 euros no bolso para outros gastos, como o papel para forrar a gaveta. Tudo resolvido e acordado entre as partes interessadas.
Mas e se o legislador, pensando no meu bem-estar, resolve que a madeira cartonada usada para fundo da gaveta é fraco demais, que vai abolar sob o enorme peso das minhas singelas meias, e mais outros defeitos que decerto tem? Lá sai uma lei que impede a fábrica que abastece a loja de pechinchas de usar aquele tipo de material. Lá terá de ser de algo mais forte... e mais caro. Sendo assim, ou o preço final sobe, ou não há lucro em fabricar a mesinha de cabeceira.
A minha escolha está, agora, condicionada e, como tenho mesmo de comprar um móvel com uma gaveta, terei de pagar mais, o que significará uma dentada nos 5€ para gastos, ou aumentar a dívida, aumentando os juros, o montante de cada prestação ou o número de prestações — ou tudo.
Mas o legislador ainda acha que eu não estou suficientemente protegido: afinal, aquele espaço vazio por baixo da gaveta é um desperdício. É preciso forçar o fabricante a preencher aquele espaço, por exemplo, com mais gavetas. Mais gavetas significa mais material e mais mão-de-obra. Ou o preço sobe, ou não há lucro, ou não há mesinha-de-cabeceira.
Agora já não tenho margem de manobra no bolso, pelo que tenho mesmo de recorrer a um aumento do empréstimo. Lá me pesam prestações mais elevadas, para não aumentar o tempo em que estou em dívida.
O legislador, condoído pelo meu drama financeiro, força o banco a baixar-me as prestações. O banco aumenta o número de prestações. Vou dever durante mais tempo.
Depois o legislador torce o nariz ao design simples e pouco apelativo. Afinal todos temos o direito às coisas belas deste mundo, segundo o gosto do legislador, ou do seu especialista favorito. Mais uma norma. Mais uma subida no preço.
Já começo a arrepender-me de querer meter as meias numa gaveta; talvez um saco no chão sirva perfeitamente. Num último esforço, peço mais dinheiro ao banco que, porque o legislador também limitou a extensão dos empréstimos, resolve aumentar o preço do empréstimo. Lá vou eu pagar mais juros.
Mas o legislador vê mais um favor a fazer-me: é melhor que a mesinha tenha um tampo de mármore e seja feita apenas de madeiras nobres sólidas. Ou o preço sobe, ou não há lucro, ou não há mesinha-de-cabeceira.
Para que o banco não me lixe, diz o legislador, sai uma lei que proíbe o aumento do preço do empréstimo. O banco já só me empresta mais se eu tiver mais garantias e mostrar que a possibilidade de eu entrar em falta é, no mínimo, remota.
Desisto da compra previamente acordada entre as partes interessadas. A parte não interessada, o legislador, culpa os fabricantes de mobiliário, que deviam era fazer a mobília ao preço baixo comigo acordado, mas com as regras, entretanto por eles impostas — para meu bem, claro, que acabei por continuar a guardar as meias no saco do supermercado, pousado num canto do quarto. Isto até o legislador me proibir de ter as meias num canto, que têm é de estar numa gaveta...
Já viram se isto acontecia, por exemplo, com o mercado da habitação? Ainda bem que não é assim... Claro que não. Cá nada.