Ser humano é ser comunidade.
Partilha, dá e recebe, expõe-se, absorve, informa, aprende, convence, transmite, acredita, desconfia, aceita, expõe, exemplifica, recusa, opina, atende, debate, conclui…
Ser comunidade é identificar-se, é intervir, é apreender, é ser parte, é atuar, é assumir…
Uma das caraterísticas da nossa vivência em comunidade é a confiança.
Confiança em quem partilha a peregrinação da vida, com quem nos cruzamos em cada dia, com quem frequentamos espaços e ambientes…
Senão, vejamos:
Somos condutores numa estrada de dois sentidos. Saímos descontraídos, apreciando a paisagem, enquanto o rádio debita música e notícias. A conversa é agradável, comentamos a vida, os eventos, cantarolamos uma canção conhecida…
Por nós cruzam-se viaturas em várias velocidades e tamanhos.
A nossa descontraída condução continua, porque confiamos.
Sim, confiamos que quem lá vem em sentido oposto, como nós, há de cumprir regras e regulamentos da condução. Há de ocupar a sua direita, há de ter cautela como nós, quando a via estreita, há de aguardar em desvio, se a prioridade é nossa, há de adequar a velocidade ao estado do piso, à largura da via, aos obstáculos que possam surgir…
Esta manha é dia de supermercado.
Levamos o carrinho das compras por corredores de produtos, sem correrias, com a liberdade de escolher os que estão expostos, confiando que os rótulos descrevem com exatidão as suas caraterísticas, que os prazos de validade são corretos, que o conteúdo corresponde à descrição, que os preços correspondem ao peso…
Estamos num concerto musical.
O palco é gigantesco, as colunas amontoam-se em cada lado, os focos de luz estão dependurados sobre as cabeças.
O espaço vai-se enchendo, à medida da qualidade e fama dos artistas. Estamos arrumadinhos como sardinha em lata.
Ouvem-se acordes, as luzes acendem-se, o palco está feérico, inundado de fumos e cor. A plateia recebe os artistas em gritos e aplausos, confiando que o concerto vai acontecer conforme anunciado. O solista confia que cada músico há de cumprir a parte que lhe cabe em cada trecho. Os artistas confiam que a luminotécnica vai enviar os feixes de luz e lazer na direção ensaiada. O público confia que os parceiros que se comprimem e dançam e cantam terão atitudes de concórdia, em onda de euforia que se esparrama sobre a multidão…
Todos confiam que vai acontecer o anunciado.
Estamos num restaurante.
Telefonámos e confiamos que a mesa estará reservada, o restaurante confia que a reserva feita será cumprida e os clientes hão de chegar à hora marcada…
Escolhido o menú, confiamos que as toalhas e guardanapos estão limpos e desinfetados, que a ementa será respeitada, que os produtos são de qualidade e sem degradação, que os métodos de confeção respeitam a higiene, que a limpeza dos frigoríficos e balcões de trabalho está assegurada, que os técnicos da preparação estão de saúde e primam pelo asseio e competência…
Dir-me-ão:
Confiamos, porque há regras cujo cumprimento é fiscalizado, se forem violadas há sanções e processos judiciais.
Há quem coloque a confiança a par do medo.
Outros haverá que ligam a confiança à segurança, ou seja, confiamos por termos a garantia da segurança e avaliação dos atos que praticamos em comunidade.
Há quem confie porque acredita, crê no sentido de responsabilidade de quem assume uma tarefa. Isso deveria bastar para vivermos em segurança e liberdade, sem medos das falhas, sem o receio do incumprimento. Isso será uma certa utopia… mas é também fruto de educação.
O importante é termos a consciência de que viver em comunidade, partilhando espaços e oportunidades, usufruindo da ação de outrem, ou de muitas intervenções de tantos que cooperam para a conclusão do produto que nos chega, é sempre um ato de CONFIANÇA.