Eis-me aqui, na ilha, a primeira, que será a minha casa nos dias que se seguirão e de onde passarei a escrever esta espécie de crónica do “andar e ver” – um bric à brac de observações, emoções, perplexidades, reflexões e, sobretudo, interrogações e erupções.
Chegar em Dezembro é, inevitavelmente, respirar o ar da festa, a quadra mais vivida no arquipélago, a bússola que marca o tempo – ah, já chegamos à festa; ah, esta já ninguém me tira ... esculpindo o calendário de miúdos e graúdos. A iluminação, inaugurada no primeiro dia deste mês natalício, deu o mote para a vivência que se faz com maior intensidade dentro de casa, no aconchego de quem nos quer bem, quase sempre embalados por memórias de tempos coreografados por cheiros, sabores e tradições passados de geração em geração pelas mães, tias, avós, vizinhas, essas maestrinas do saber fazer e da perpetuidade.
Nunca passei o Natal fora do Funchal e do ninho. É a minha estreia, portanto. É natural que procure equilibrar-me por entre o que ainda desconheço, buscando familiaridades e domínios de pertença e convivência. Conheço estas ruas de cor, não estranho caras, leio sem dificuldade o mapa de alguns corações, sei de que matéria é feita este chão, sonhei vezes sem conta com este horizonte sem bainha, ou seja, estou em casa. Mas, não sei se já se deram conta de que aqui passamos a noite por nossa conta, convictos de que o mundo se ligará a nós, assim que acordarmos e ouvirmos o roncar dos motores da avioneta. É um privilégio. Só os mais afortunados sabem apreciar a intensidade de todas as (im)possibilidades advindas deste desapartamento do grande mundo lá fora.
Ontem, ao final da tarde, a Sara e o Zeca montavam as decorações. Caixas de anjos, Pais-Natais, bolas, espiguilha enchiam a sala e o quarto de jantar. No gira-discos (o mesmo de sempre), tocava o álbum dos Beatles. Vão me desculpar, mas não encontro palavras certas para descrever a emoção que senti. A Cristina já terminou o presépio que, como é habitual, conta com uma figura nova que ela trouxe de fora. Está à espera da minha visita. Não posso deixar de ir ao Vale do Touro.
Recebi a minha encomenda, ou melhor, uma prenda de Natal, antecipada e há muito desejada. Uma bolsita de palmito feita pelas irmãs, Maria Amélia e Emília Melim que, aos 90 e tal anos, persistem em não deixar morrer esta arte. São gigantes, estas senhoras, verdadeiros menires (tal como os que se sustentam no solo para todo o sempre) e a quem devemos veneração e profunda gratidão.
O resto do mês será animado. O programa é variado e promissor: teatro, música, desporto, oficinas, exposições, comes e bebes. Juro que nem sei para que lado me viro. Viva o Natal! E que o espírito do Menino vos ilumine!