Mas também na nossa Ponta Delgada, quase sempre esquecida pelos itinerários turísticos que insistiam em virar à esquerda em São Vicente, era usual tendas se instalarem, ora perto da piscina, da Igreja, ou mesmo no adro da capelinha, mesmo ao lado da minha casa. Tantas vezes, eu e os meus primos, íamos cantar, meter conversa, com aquelas pessoas que vinham de França, Alemanha ou até do Portugal Peninsular, equipados com tendas-casa, para desfrutar de uns dias na Ilha que nós chamávamos de "cantinho do céu". E assim designávamos, pois, a sua conotação com o "sossego" sugeria que a nossa Madeira era pouco conhecida, ainda que estivéssemos firmemente convencidos que todo o mundo ansiava por cá vir. Não era verdade.
Um estudo de há 20 anos indicava que apenas 10% dos espanhóis sabiam da existência da nossa pérola. E se era assim aqui ao lado, imagine-se mais longe! A Madeira sempre teve os seus próprios circuitos, os seus mercados. As suas fidelizações. Mas, sejamos francos: apesar da nossa centenária tradição turística, da arte de "bem receber", e do impacto no mercado de trabalho, não tínhamos o turismo que pensávamos. Havia pouca oferta de camas, daí que transbordassem turistas mais afoitos para o campismo selvagem. Sempre me questionei o que motivava uma família meter-se num avião, de tenda, para dormir quase ao relento numa terra distante, num tempo sem telemóveis para dar outra segurança. O fenómeno não é novo. É de sempre.
Os eventos anuais, no formato de "paradas", como a Festa da Flor e o Carnaval, foram apostas ganhas, deram "mais Madeira" a quem buscava um pretexto para nos visitar. Ainda assim, mesmo com o aumento do parque hoteleiro, não podíamos comparar a afluência à Região com a de destinos concorrentes. Não fazendo a apologia do turismo de massas. Absolutamente! Sempre nos distinguimos pela diferença e essa é uma marca que nunca perderemos. Mas, sejamos realistas, um destino de "não massas", não podia ter o RevPAR baixíssimo de há 10/15 anos.
A problemática de ter mais turistas, sem perder a qualidade, remonta há muitas décadas. Sempre contou o meu pai que, nas décadas de 40 e 50, não se construía Aeroporto na Madeira porque não havia mais turismo, e não havia mais turismo porque não havia aeroporto. Uma pescadinha de rabo na boca, e suas sucessoras, que acompanharam-nos durante anos. Sempre cheia de especialistas em turismo de trazer por casa (eu, pecador, me confesso) havia na nossa ilha a teoria, que resiste, que as Low Cost trazem o turista "pé descalço", ainda que raramente me tenha cruzado com quem não trouxesse a obrigatória sandália com meia branca! Teoria dos mesmos que desembolsam o menos possível na viagem, para gastar as pataquinhas durante a estadia.
Por isso, meus amigos, e passado o interregno do covid, estamos agora, sim(!) a viver a nossa época áurea do Turismo. Não vos cansando com números, todos concordamos que nunca se viu tanta afluência à nossa Ilha. As Low Cost, as redes sociais que, com a identificação geográfica levam gratuitamente as nossas paisagens, naturais e humanas, por esse "Instagramundi" a fora, bem como a nova Marca Madeira, (sim, aquela que motivou um rasgar de vestes há dois anos) são os principais responsáveis por tanto sucesso. Além do nosso Ronaldo, que ensinou aos restantes 90% de espanhóis que existia um arquipélago acima das Canárias. Como é evidente, nem todos os equipamentos estavam preparados para esta nova, e frutuosa realidade. Daí que existam algumas enchentes, trânsito, problemas de estacionamento. Mas, ninguém duvide, esse é o melhor dos nossos problemas. Tudo, com tempo, se resolverá. Pior era quando ninguém conhecia o cantinho do céu.