Este medo e esta arrogância, todavia, não caracteriza somente os discursos contra os "vadios", os "subsídio-dependentes", os dos "bairros problemáticos", os "que não aceitam qualquer trabalho e vivem às nossas custas", os "imigrantes criminosos e pedinchas", da direita extrema, já que tem vindo a contaminar cada vez mais espaço nas palavras de partidos historicamente de centro direta ou de direita moderada, como o PSD ou o CDS. Basta estar atento e seguir a posição de exponentes como o até há pouco vice-presidente do governo regional: que caracteriza os pobres, que tinha o dever de governar e cujas condições de vida tinha a obrigação de melhorar, como "à espera e de mão estendida para que chegue um cabaz de compras", "sociedade de subsídio-dependência", comprometendo-se do alto do palanque a "não apoiar vadios, apenas aqueles que precisam".
A "prolofobia", ou o desprezo pelos pobres, é precisamente atirar lenha para as brasas dos que se sentem zangados e insatisfeitos para, ignorando os problemas concretos dos empobrecidos, esperar que a histeria social faça o resto e culpe aqueles que necessitam de ajuda da incompetência das políticas governativas. Isto é, nós não temos responsabilidades por quem não encontra trabalho, é pobre, não tem habitação: os desfavorecidos são os culpados da sua situação, são vadios, não aceitam qualquer trabalho, gostam de viver de cabazes de compras.
Os cronistas, intelectuais, a própria esquerda, designam estes discursos como "populistas". Mas, de facto, nada tem a ver com o "povo" esta arma mediática de um determinado "establishment" que tira, na verdade, a legitimidade aos cidadãos, às pessoas. Isto porque faz um uso fraudulento dos termos "povo" /" populismo" para induzir no imaginário a convicção de que só existe uma solução - a de que só a elite económica sabe para onde devemos ir, só certas pessoas conhecem o caminho, colocando o povo em quarentena e a representação, como escreve Dion, em hibernação.
Uma narrativa baseada na competitividade, flexibilidade, liberalização e custo do trabalho - sem deter-se a pensar em quanto custa o trabalho para o trabalhador - é um discurso oligárquico, o verdadeiro traço destas décadas, transversal à política regional e ao mundo económico insular. Ou, então, soberanista, com um poder que é cada vez mais subtraído aos cidadãos e reservado às elites políticas e económicas que o exercem.
A ilusão/engano que os que recebem subsídios são quase todos vadios que não se esforçam, imigrantes, venezuelanos retornados, etc., quer provocar a cólera do cidadão que se acha cumpridor, trabalhador, pagador de impostos, defensor da ordem, desviando o olhar das responsabilidades verdadeiras de quem nos governa e colocando o povo de bem contra o povo pobre, o mau.
Na verdade, o único edifício que se quer manter é o oligárquico, soberanista, o que dá cabazes a alguns, usando, por exemplo, Casas do Povo que, sendo autónomas, distribuem as ajudas da pandemia segundo a sua suprema clarividência, por aqueles que não são vadios, subsídio-dependentes, enfim, são pessoas de bem aos olhos do poder.
Luísa Antunes escreve
à segunda-feira, de 4 em 4 semanas