As redes sociais têm dado uma liberdade sem precedentes para a expressão pessoal, mas essa liberdade nem sempre vem acompanhada de responsabilidade. No anonimato digital, os “heróis do teclado” se sentem livres para lançar ofensas e julgamentos sobre pessoas que dificilmente atacariam cara-a-cara. E ninguém escapa. Seja figura pública ou desconhecido. O recente caso de Lauren Fryer, parceira de Declan Rice, jogador do Arsenal, ilustra bem esse fenómeno: uma mulher comum que, sem razão clara, tornou-se alvo de insultos e assédio apenas por estar ao lado de uma figura pública.
Lauren Fryer era desconhecida do público até há pouco tempo. Desde abril deste ano, porém, ela passou a ser foco de manchetes e discussões na imprensa britânica devido aos ataques que vem sofrendo. Namorada desde os tempos de adolescência de Rice, mantêm uma relação sólida e discreta. Juntos, têm um filho de um ano. Mas esse relacionamento estável, longe de ser algo negativo, aparentemente foi o suficiente para desencadear uma onda de comentários ofensivos direcionados a ela.
Desde o final de 2023, seguidores nas redes sociais de Rice têm deixado mensagens depreciativas sobre a parceira do jogador, acusando-a de não estar “à altura” do seu companheiro. Em seus perfis, surgem comentários que criticam sua aparência, estilo de vida e até seu “valor” como companheira. O caso ganhou ainda mais atenção após cânticos ofensivos num jogo entre Chelsea e Arsenal, que a visaram verbalmente, gerando uma grande onda de reprovação entre a comunidade desportiva e não só.
Apesar do apoio recebido, Lauren decidiu remover todas as fotos do Instagram, restando apenas uma imagem de perfil, onde aparece com o seu filho no colo. Não deu explicações sobre a sua decisão, mas o desgaste causado por julgamentos constantes pode ter sido determinante. O ataque público sem fundamento, feito por pessoas que nem a conhecem, parece ter atingido o limite do tolerável.
Mas o que leva estranhos a atacarem de maneira tão intensa alguém que nunca conheceram pessoalmente? Muitos desses “heróis” usam o anonimato e a distância oferecida pelas redes para se comportar de forma agressiva, sem a empatia que normalmente existiria numa interação cara-a-cara. Esses indivíduos, confortavelmente escondidos atrás de um ecrã, sentem-se impunes para expressar ofensas e julgamentos, ignorando o impacto que podem ter sobre as vítimas. Comportam-se como se estivessem num palco, onde suas palavras duras são aplaudidas por seguidores anónimos, muitas vezes se esquecendo de que suas ações podem provocar consequências reais e duradouras nos outros.
Lauren Fryer é uma mulher comum: loira, de olhos claros, com um sorriso leve e um estilo de vida simples. Não faz poses extravagantes no Instagram, não ostenta um estilo de vida luxuoso e tampouco se encaixa no molde de esposa ou namorada “ideal” de um jogador de futebol, conforme alguns parecem esperar. Talvez essa simplicidade incomode, por destoar da imagem idealizada que muitos têm. O facto é que, independentemente da sua aparência ou estilo de vida, ela não deveria ser alvo de assédio por ser quem é ou pela pessoa com quem escolheu se relacionar.
A retirada das fotos da sua conta foi um ato que ilustra o esgotamento diante dos ataques e o lado cruel das redes sociais. Contudo, esse gesto também teve uma resposta positiva: Lauren tinha cerca de 70 mil seguidores quando tomou a decisão de apagar as imagens, e logo após a repercussão, outros 15 mil seguidores se somaram a sua conta. Esse aumento silencioso de apoio demonstra que, apesar dos “heróis do teclado” que destilam ódio, há também uma corrente de solidariedade que enxerga o lado humano das vítimas de assédio virtual.
Casos como o de Lauren Fryer refletem o paradoxo das redes sociais, onde a liberdade de expressão se transforma, por vezes, numa ferramenta para a desumanização e humilhação. Os “heróis do teclado” abusam dessa liberdade para atacar, julgando e criticando sem empatia, como se as pessoas fossem personagens de uma narrativa em que não têm voz própria. Esses ataques digitais mostram que o espaço virtual precisa de regulamentação e limites, e que o respeito, que em qualquer ambiente saudável é uma norma básica, também precisa ser resgatado nas redes.
Enquanto as plataformas não encontrarem formas de responsabilizar e penalizar comportamentos tóxicos, estes casos multiplicar-se-ão. A sociedade digital exige, mais do que nunca, uma reflexão sobre os limites da liberdade de expressão e a necessidade de empatia, para que as redes possam ser usadas para construir pontes e não destruir pessoas.