(da mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2024)
Escrevo este texto a olhar para a minha imagem no espelho. Escrevo-o para mim (faço-o muitas vezes, porque escrever me ajuda a clarificar os meus caminhos). Escrevo-o, pensando na loucura dos dias que nos roubam a possibilidade de nos calarmos, de calarmos o mundo que grita à nossa volta e de nos deixarmos espantar pela beleza que nos rodeia, pela bondade que ainda existe, pela possibilidade de sermos felizes. E esquecemo-nos de que temos a obrigação de fazer do tempo, um templo (Palavra de D. Tolentino) para podermos contemplar, descobrir o que temos (que é tanto) e descobrir o que somos (que é imenso).
Estamos demasiado preocupados com a vida, com a carreira, com aquilo que é preciso fazer para não perdermos o comboio de qualquer coisa, de uma qualquer fama, de um qualquer poder. Inventámos a sensação de culpa de não estarmos a produzir, a fazer coisas, a aproveitar para...
A proposta é, então (por favor, não deixem de ler este texto do Papa Francisco, mesmo que não sejam cristãos), que lancemos fora os deuses e os apegos que tolhem a nossa liberdade, que diminuamos a velocidade e que redescubramos a dimensão contemplativa da vida. A proposta é deixar que o silêncio cure as nossas feridas e nos ensine, outra vez, a olhar à nossa volta e reencontrar a esperança para voltarmos a olhar para o céu.
Quando nos permitimos olhar, percebemos que há gente caída ao nosso lado, à espera de nós. Percebemos que, em muitos casos, o outro somos nós, muitas vezes, em pedaços, sem termos dado conta que, afinal, estamos no chão do caminho.
O que nos é pedido, nesta Quaresma é que paremos “na presença de Deus, junto da carne do próximo”. E que façamos desta paragem a verdadeira ação deste tempo.
Pode ser que no fim, à porta da Páscoa (da nossa) possamos mostrar as nossas mãos com alguma coisa dentro. Pode ser que, assim, encontremos o sentido para o nosso tempo que raramente tem tempo para ser feliz.