O ex-presidente do Banco Espírito Santo Investimento (BESI), José Maria Ricciardi, considerou hoje no julgamento do processo BES/GES que o banco “era sólido” e lamentou que não tivessem sido concedidos “quatro ou cinco mil milhões” de euros.
“O BES era um banco sólido. Se o BES tivesse ficado cá e não se tivessem posto a fazer resoluções, o BES estava cá. Por isso é que ponho as culpas no Banco de Portugal. Se não se tivesse feito a resolução e se tivesse emprestado quatro ou cinco mil milhões, o BES tinha sobrevivido e hoje era um banco ótimo”, afiançou o banqueiro, em resposta a questões do advogado José António Barreiros, que representa Manuel Fernando Espírito Santo.
Para o ex-presidente do BES, a forma de condução da resolução foi “patética e custou uma fortuna aos contribuintes e aos lesados”, lamentando que se tenha avançado para uma “saída limpa” do programa de resgate financeiro então em aplicação em Portugal e que não se tenha pegado “em quatro ou cinco mil milhões para dar a um banco”.
José Maria Ricciardi assumiu ainda nunca ter confrontado o pai, António Ricciardi, antigo presidente do Conselho Superior do Grupo Espírito Santo (e falecido em 2022), quando descobriu a falsificação das contas na ESI (holding para as áreas financeira e não financeira): “A única coisa que me magoou foi quando em novembro [de 2013] o meu pai votou a favor do doutor Salgado e contra mim”.
Já o advogado Francisco Proença de Carvalho, mandatário de Ricardo Salgado começou por indicar ao tribunal que não tinha condições para fazer perguntas, uma vez que “o cliente não está cá” e porque não tinham orientações em termos de defesa. No entanto, acabou por abordar a relação entre os primos sob o ponto de vista da credibilidade da testemunha.
“Está ou não está de relações cortadas com Ricardo Salgado?”, questionou o advogado, com José Maria Ricciardi a contrapor: “O doutor Salgado é que está de relações cortadas comigo. Nunca achei o doutor Salgado uma pessoa horrível. Sempre achei o doutor Salgado um homem com capacidades de liderança e acreditei que ele merecia estar onde estava, mas, a partir de 2012, por factos que me foram dados a conhecer pelos senhores procuradores e pelos factos que fui tendo conhecimento, a perceção mudou”.
Instado a declarar se sabia que Ricardo Salgado está doente, aludindo ao diagnóstico de doença de Alzheimer, o ex-presidente do BESI declarou apenas que “os problemas familiares são privados” e adiantou que o cumprimentaria, se Salgado assim quisesse, mas garantiu que não se cruzou com ele nos últimos 10 anos. “Foi-me transmitido que nem a mulher nem o doutor Ricardo Salgado queriam falar comigo”, referiu.
Por sua vez, a defesa de Pedro Almeida Costa, a cargo do advogado Paulo Amil, questionou o financiamento da ESI através dos aumentos de capital no BES e José Maria Ricciardi explicou que só se tornou um problema quando se percebeu que o passivo nas contas era maior do que aquele que era conhecido. Reconheceu também não ter a certeza se o BESI participou no aumento de capital feito entre maio e junho de 2014 de cerca de mil milhões de euros.
“Foi um consórcio de bancos, não sei se o BESI estava. Penso que houve vários bancos de investimento e não lhe consigo dizer se estava o BESI. O prospeto de aumento de capital foi mais de 30 vezes à CMVM e obrigou a escrever o que se passava na ESI. Já não me recordo em que termos ficou a comunicação, mas que acarretava riscos suplementares isso ficou escrito”, resumiu.
A testemunha reiterou ainda, na inquirição da defesa dos arguidos suíços e da empresa Eurofin, pelo advogado Tiago Rodrigues Bastos, não ter grande conhecimento da atividade, além de dizer que conhecia o arguido Etienne Cadosch.
“O que eu sempre soube da Eurofin é que era uma empresa que não era detida pelo GES, mas que tinha relações próximas com o grupo, nomeadamente que tinha comprado ações da área não financeira. O que eu não sabia e não sei é por que é que foram tantos milhões”, concluiu.
O julgamento do processo BES/GES continua agora na próxima terça-feira, às 09:30, estando prevista a audição de um interrogatório ao empresário Pedro Queiroz Pereira. O antigo líder da empresa Semapa, que morreu em 2018, entrou em conflito com Ricardo Salgado e contribuiu para a queda do ex-banqueiro, ao expor os problemas nas contas do GES.
Já de tarde deve ser ouvido o presidente do conselho de administração do BPI, Fernando Ulrich.
O antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, é o principal arguido do caso BES/GES e responde em tribunal por 62 crimes, alegadamente praticados entre 2009 e 2014.
Além de Ricardo Salgado, estão também em julgamento outros 17 arguidos, nomeadamente Amílcar Morais Pires, Manuel Espírito Santo Silva, Isabel Almeida, Machado da Cruz, António Soares, Paulo Ferreira, Pedro Almeida Costa, Cláudia Boal Faria, Nuno Escudeiro, João Martins Pereira, Etienne Cadosch, Michel Creton, Pedro Serra e Pedro Pinto, bem como as sociedades Rio Forte Investments, Espírito Santo Irmãos, SGPS e Eurofin.
Segundo o MP, a derrocada do GES terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.