Um cartoon de Paul Noth publicado na revista New Yorker sintetiza bem o que está em causa nas eleições presidenciais americanas do próximo dia 5 de novembro: um bando de ovelhas num prado olha para um cartaz do candidato lobo que diz “Vou devorar-vos”. Uma ovelha diz à outra “Ele cá diz as verdades”.
Donald Trump já avisou nesta campanha: “esta será a última vez que precisam de ir votar”. Num comício desta semana dirigiu-se às mulheres e disse que ia “protegê-las, quer elas queiram, quer não”. Há uns dias, abriu a possibilidade de usar as forças armadas contra a própria população no dia das eleições, apelidando os seus oponentes políticos democratas de “inimigo interno”. Aliás, até disse que o que ele precisava mesmo era de generais como Hitler os tinha. Sobre a comunicação social, disse que quer “endireitá-la”. Para Trump, a constituição é um melindre e não um conjunto de valores a seguir, tal como o próprio estado de direito. Valoriza a lealdade canina a si enquanto líder, em vez de procurar uma equipa que coloque o bem estar e o progresso da sua população em primeiro lugar. As ameaças de vingança sobre os seus inimigos políticos, caso vença, é uma clara morte anunciada à independência do sistema judicial.
É impossível ser ainda mais explícito sobre o que planeia fazer com a democracia americana, especialmente tendo em conta o que incentivou da última vez que perdeu as eleições de 2020 com o ataque dos seus apoiantes ao Capitólio em Washington. O seu mandato presidencial e a sua derrota foram só ensaios para o seu verdadeiro objetivo antidemocrático.
Os objetivos de Trump são claros. Mas o que leva um cidadão, tal como a ovelha do cartoon da New Yorker, a voluntariamente ceder os seus direitos cívicos mais básicos ao candidato a presidente autocrata? Só porque ele “diz ao que vai” ou “diz as verdades”? Esta é a pergunta não de um milhão de dólares, mas dos milhões de votos. Porque é tão válido no rustbelt americano como no abandono do Alentejo ou na ultraperiferia da Madeira. Como se a razão pela insatisfação sócio-económica do cidadão se resumisse a uma guerra ao “politicamente correto” e não às verdadeiras causas de desigualdade social. A erosão das convenções políticas civilizadas vemos todos os dias, lamentavelmente, pela palavra daqueles que transformam hemiciclos parlamentares e comícios em conversas de taberneiros. Nivelam por baixo e não por respeito, mas por despeito aos cidadãos. Que conveniente é ao magnata obter o voto popular, não ter que afrontar desequilíbrios históricos, enquanto alimenta polémicas fictícias.
Coragem à maioria tolerante, democrática e moderada. Acorda América, acorda mundo.