Segundo contavam os meus pais, quando era pequena, a forma que escolhi para dizer que o sono me pesava, era que “tinha matos nos olhos”. Talvez porque definir a sensação fosse, então, conceito demasiado vago para a minha idade e, depois, talvez também me baralhasse o anúncio da chegada de um tal João Pestana, mas que eu jamais via aparecer. Também falavam de fazer nana, expressão igualmente pouco clara. Ter “matos nos olhos” devia ser coisa bem mais concreta e explicativa do incómodo que me picava os olhos.
Lembrei-me deste detalhe porque, neste momento, tenho, de facto, “matos nos olhos”. Bom, não precisamente que os tenha, mas porque os sinto a nublar-me a visão. Um ligeiro distúrbio ocular deixou-me uma meada de fiozitos que passaram a figurar na frente de tudo aquilo para que olho. Motivada por este meu novo formato de “matos nos olhos”, despertou-se-me um repente linguístico e, entre memória e pesquisa, perdi-me pelo mundo do sono.
Dormir tem muito que se lhe diga e excluo, de imediato, o sono eterno porque esse tudo cala a quem nele adormece. Restam as lágrimas, indiferença ou regozijo de quem fica, conforme o sentimento que nutra por aquele que parte nos braços de Morfeu. Fiquemos, pois, pelo sono terreno que pode ser pesado, profundo ou, pelo contrário, leve. Pode-se dormir como uma pedra ou ter sono de pulga. Há quem fique ferrado a dormir e quem durma de orelha no ar, atento ao mínimo ruído. Quem assim dormir, ver-se-á em sérias dificuldades se partilhar a cama com alguém que ronque como um porco durante o sono.
Há quem se livre de preocupações e durma a sono solto o sossegado sonho dos justos, enquanto os que não esquecem os problemas podem passar a noite em claro, ou seja, sem pregar olho. E, muito provavelmente, a despertar fantasmas que melhor seria deixar adormecidos. Quando estamos apoquentados, o melhor será mesmo adiar as decisões para a manhã seguinte, na perspetiva de que as ideias se clarifiquem. Por outras palavras, o melhor será dormir sobre o assunto porque, diz a voz da experiência: o sono é bom conselheiro.
Depois, temos os sonos breves que quem os faz nem gosta de designá-los como tal, preferindo o dormitar, o cochilar, o passar pelas brasas, o tirar ou bater uma soneca.
Mudando de categoria, passamos aos que andam com a cabeça nas nuvens e dormem acordados, ou por outras palavras, andam a dormir em pé. Há quem seja acusado, geralmente pelo chefe, de andar a dormir na forma, ou a mamar sono, em vez de trabalhar.
Também há quem durma à sombra da bananeira, naturalmente porque ganhou fama ou fortuna e, de seguida, sente-se com direito a gozar os proveitos. Não será, todavia, boa ideia prolongar demasiado este descanso porque, lá diz o povo que, quem muito dorme, dorme-lhe a fazenda. Poucos são os que podem alcançar algo sem esforço e, enquanto ficam a sonhar alto, perderão oportunidade e outro mais madrugador e esforçado lhe tomará a dianteira. Também é ancestral a parábola de que deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer. Diz-se, acreditando que um bom sono é reparador para o estado físico e mental, logo, permitir-nos-á ser mais produtivos e, eventualmente, mais prósperos.
E termino já, temendo que os meus leitores fiquem sonolentos e peguem no sono. Não sem antes, porém, desejar-vos um Natal feliz, vivido com carinho, harmonia e muitos sonhos cor-de-rosa.