Depois do fogo, a cinza. Isto é válido para tudo do que arde: a floresta, a paixão, as ilusões da juventude e todas as outras coisas que parecem guardar a vida toda. No entanto, só os fogos que valem a pena são capazes de produzir cinza fértil. A outra, a que resta dos dias vazios, das causas vazias, das vidas vazias, leva-a o vento. É demasiado leve para poisar e para se deixar transformar. É, ela própria, demasiado vazia.
Todos nós conhecemos a dor das cinzas; todos nós, um dia, regamos, com lágrimas, o chão do que fica, quando o fogo se vai embora; mas todos nós, um dia também, achamos que valia a pena recomeçar e esperamos que a brisa que vem do lado do mar trouxesse notícias de tempos mais doces. E conhecemos o dia em que, muitas vezes cansados, pousamos os olhos no chão e percebemos que, no lugar onde as nossas lágrimas tinham caído, havia uma flor a crescer. A vida, portanto. e os sonhos. e os projetos que hão de vir. Da cinza [e não falo na Fénix], podem surgir os começos. Apetece-me, então, agora, convocar Florbela Espanca:
"E, se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada
Que me saiba perder, para me encontrar".
Quer esta crónica ser de esperança. Querem as minhas palavras dizer que, quando parece que já não há nada para levar adiante, há uma qualquer luz que se acende e que nos obriga a retomar os caminhos, a abrir os braços e a ver nascer asas que nos farão voar sobre o abismo, sem olhar para baixo, sem cair no poço que, em tantos momentos da nossa vida, nos puxa para baixo.
Temos, pois, de aprender a plantar futuro sobre a cinza dos dias, porque só os fins geram os princípios. Lembro (-me), mais uma vez, que o tempo é este e não demora. Lembro (-me) as palavras do poeta, "tudo é foi". Lembro(-me) que a vida é composta de fogo e de cinza, de luz e de sombra, de vida e de morte. Lembro(-me) que não temos o direito de desistir. E que.
Depois do fogo, a cinza. É nela que mergulham as mãos que escrevem estas palavras. É muitas vezes sobre ela que se constrói a esperança.