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Artigo de Opinião

Professora Universitária

22/07/2024 07:35

Neste julho quente – marcado pelo atentado a Trump, pela perigosa alimentação de um clima de ódios políticos nas populações dos países ocidentais, por um Viktor Orbán, com a presidência rotativa da União Europeia, a comportar-se como uma mina vagante, pelas discussões dos orçamentos regionais e nacionais (com o executivo nacional a abrir o diálogo com os partidos da oposição, ciente de que não pode ficar dependente do Chega, sob pena de ultrapassar uma linha que traçou, perdendo eleitorado) e pela mudança da política social nos Açores –, nunca como hoje a política verdadeira foi tão importante. A política que se constrói numa sólida base ideológica, baseada em valores, na ética, na moral.

Só assim, partidos cuja origem tem um cariz de defesa do social, como é o caso do partido social-democrata, não serão levados a apoiar, porque dependentes de deputados da extrema-direita, resoluções como a que foi aprovada no Parlamento Regional dos Açores: a partir de agora as crianças cujos pais estão desempregados ficam em último lugar no acesso a creches gratuitas. O Chega alega que os pais com RSI deixam os filhos na creche e vão para o café. Se isto for mesmo assim, a melhor decisão, segundo este partido, é punir as crianças, negando-lhes a proteção, a possibilidade de alimentação e educação adequadas. Se não for, que possibilidade de arranjar emprego tem um pai que não tem onde deixar o filho em segurança?

O Chega, com a pretensão da moral de defesa dos “trabalhadores verdadeiros” – que até podem por qualquer circunstância independente da sua vontade, ficar sem emprego – castiga, aumenta a divisão social, porque recusa as mesmas oportunidades a todas as crianças, condena. E são estes partidos, como o de Salvini, que fazem comícios com o rosário na mão, que evocam os princípios cristãos. Deixai vir as mim as criancinhas, mas só de pais empregados.

Há uma frase muito bonita do poeta turco Hikmet, recordada pela socialista Joyce Lussu, que se aplica a cada um de nós que acredita na humanidade, no compromisso, na política: “só devemos usar palavras concretas, inequívocas, palavras que sejam utilizadas no dia a dia e que sejam compreendidas mesmo por um agricultor analfabeto.” A falta de ideologia, que faz com que partidos com uma bandeira apenas (qualquer coisa como “de causas”, “causa animal”, “causa vegetal”, “causa religiosa”, no fundo, “causa própria”) facilmente mudem de políticas, ou a ideologia da extrema-direita (que pelo menos sabemos ao que vem), alimenta palavras sedutoras, ambíguas, usando a democracia para a implodir por dentro. Saberiam os eleitores dos Açores, por exemplo, desta medida que alimenta a divisão social entre ricos e pobres, que premeia o sucesso e recusa a mão a quem pede ajuda?

Às vezes, esquecemos que a política é a consciência das outras casas à nossa volta. Ficamos felizes por viver num lugar limpo, bonito, com um jardim de flores viçosas, se olharmos para o nosso lado e virmos uma casa que cai, as ervas a tomar conta dos espaços que nos circundam? É ético? É moral? Cria paz e felicidade para todos? Não seria bom ouvirmos os estudiosos que nos alertam para o facto de estarmos à beira de conflitos civis e divisões internas que se juntarão às guerras externas num cenário de desespero?

Mesmo não sendo políticos de profissão, somos políticos quando vivemos intensamente as injustiças nos nossos sentimentos. Ou no olhar dirigido ao nosso passado como comunidade, na utopia de um espaço social em que todos são o “próximo”, de oportunidades iguais, na aspiração de uma ordem política moderna capaz de rejeitar a violência e a desigualdade de que certos poderes se alimentam.

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