Certamente, vivi a parte mais importante da minha vida no século passado. Sou como Gil Vicente, que nasceu no fim das trevas da Idade Média e viu na idade adulta o desenvolvimento louco do século XVI, sem se embrenhar muito nos polimentos da época, nem nos grandes feitos e proezas que corriam a olhos vistos pela Europa.
Eu, como todas as raparigas da minha idade, fiz a diligência, desde cedo, por aprender tudo direitinho julgando talvez que o tempo não nos pregaria partidas assim tão descaradamente. Cá nada! Agora, no moderníssimo século XXI, é que, como diz o outro, a porca torce o rabo! Não aprendi nada de computadores. Também nunca me fizeram grande falta! Não sinto alegria, nem vontade de aprender a viver com eles. O pior aluno é aquele que não quer saber! Pois olha, isso aplica-se exatamente a mim! Sei o mínimo que me é exigido e já é assaz bastante.
Como eu, a rapariga lá do alto da serra, há tanta gente importante que nunca gostou dos computadores. E isso deixa-me contente. Estou a me lembrar, por exemplo, de Eduardo Lourenço, que era um cérebro em pessoa e que detestava computadores. Também ele os viu galgar terreno no terreno que era só dele, todo arado com a grande mestria da palavra. O nosso eterno Secretário Regional do Turismo, Dr João Carlos Abreu, uma vez disse que, quando escrevia no computador, não gostava, e que não havia nada como escrever com o lápis na mão, assim tudo fluía, tudo saía do coração, descia pelo braço abaixo e chegava em primeira mão ao papel. Agarrei-me a esta metáfora com unhas e dentes e não me senti tão bicho do mato. Laborinho Lúcio, outra tão importante figura igualmente, que já foi Ministro da Justiça, não é amigo das tecnologias e numa das vezes em que veio à Madeira, num evento para professores, manifestou o seu desagrado pelo uso dos computadores. Um dia também, foi feita uma homenagem à nossa Irene Lucília pela Associação GATO, na Quinta Magnólia, e o Dr Alberto João Jardim dedicou-lhe umas grandiosas palavrinhas, todas escritas à mão, com letra firme e bem traçada. Gostei. O inteligentíssimo António Carlos Cortez também não é a favor dos computadores na escola e muito tem apresentado as suas razões. Mas a última que li, sobre este assunto, foi uma crónica do ilustre escritor António Lobo Antunes, “Eu e o computador”. Pois olha, A. Lobo Antunes não tem medo da morte, mas tem medo da falsa inocência do computador. O que não dizer agora do perigo da Inteligência Artificial?!
De verdade, desde o início, na minha profissão, eu fui treinada para fazer as planificações todas à mão e preenchidas na minha melhor letrinha. Havia ali o meu cunho pessoal e o grande orgulho da minha caligrafia, que era ela também a minha obra de arte. Já se sabe que o computador ajuda e facilita, mas o que é que querem? Comigo, entre mim e ele, há uma relação meio azeda. Ainda bem que há colegas que os amam. Eu, não. Deus me livre! A mim já me chamaram de artesanal e quando eu fui exclamar esta desfeita à minha amiga Rosário Brazão, ela disse, com aqueles grandes olhos só dela, postos em mim: “Tu, tu não és artesanal, tu és primitiva!”. Vindo da boca dela, eu adorei e rimos muito. Isto já tem tantos anos e solidificou ainda mais a nossa amizade. Foi ela que me disse que com o bolo que eu faço, receita de minhas tias, e com um chá de misturas de ervinhas dos poios de meu avô, tudo servido na louça da tia Elvira, só com isso, eu podia ganhar um dinheirão. E isto tudo só porque eu sou primitiva!
Agora, eu trabalho à moderna: virada para 24 jovens, todos sentados como se estivessem numa camioneta, cada um com o seu computador à frente. Eles absortos a olhar para o ecrã, não me ligam nenhuma, já nem falam entre si. Eu a vender o meu peixinho no meu posto emissor, eles (quase) todos sintonizados noutras frequências...
Sabe-se lá por onde é que eles andam...
Sílvia Mata escreve ao domingo, de 4 em 4 semanas.